sexta-feira, 3 de julho de 2009

OS 500 ANOS DOS SEM TERRA

Dário Teixeira Cotrim

Foi com muita alegria que recebi das mãos do confrade Juvenal Caldeira Durães o exemplar do livro Os 500 Anos dos Sem Terra, de Mário Magno Cardoso. É um excelente livro de memórias que traz várias fases da história nacional e regional e fala-nos, principalmente, de Buriti Grande, um pequeno povoado do município de Bocaiúva, terra natal do autor. Há, todavia, as informações básicas sobre a colonização do interior mineiro desde a presença dos bandeirantes paulistas, quando aqui vieram para tomar posse das terras até os dias em que a luta pela terra reúne grupos de trabalhadores em busca de um lugar seguro onde possa assentar suas famílias e viver com dignidade numa sociedade vil e politicamente desigual.

Assim é o livro de Mário Magno Cardoso “grande sonhador e dotado de um maravilhoso senso de humor, pois sempre ele está de bem com a vida e com todos” apesar dos seus noventa e poucos anos de idade. São fatos que nos submergem no mundo, não o das fantasias, mas o do descaso. Dentro desse mundo é que encontramos nossa realidade mais dura e cruel. Nota-se que Os 500 Anos dos Sem Terra não passa de um lamento melancólico do autor, que através de árduas pesquisas fez registrar alguns pontos obscuros da nossa história. O livro retrata fielmente o povoado de Buriti Grande, além de um interessante apanhado sobre a genealogia das famílias que lá residem.

Usando estilo próprio, Mário Magno narra com sensibilidade, temas tristes e belos, que celebram a importância do seu trabalho. “Foram essas coisas que fizeram nascer em mim a idéia de escrever este livro, a que dei o título de Os 500 Anos dos Sem Terra, dando como exemplo meu pequeno torrão natal, Buriti Grande, que já sofreu no passado grandes atentados. Tenho muito que contar a esse respeito e aproveitando o assunto em causa, falarei do meu pequeno lugarejo que tanto amo”.

Apesar do avanço político e da consolidação parcial da reforma agrária no país, o jogo de interesses, enquanto método divisório das terras parece ter sobrevivido por muitos séculos. Uma prova dessa afirmação é o livro Os 500 Anos dos Sem Terras, do ilustre escritor Mário Magno Cardoso. Num primeiro momento o autor concentra as suas pesquisas na história (Tratado de Tordesilhas e a Chegada dos Bandeirantes). Depois vereda por caminhos menos íngremes e exalta com minudência o seu Buriti Grande. É certo que o foco principal de sua narrativa – os Sem Terras – aparece nas entrelinhas do livro. Dividido em dez capítulos, o livro traz ainda um lindo poema de Filomeno Pereira dos Santos, com o título de “Buriti Grande e seu passado”.

Além dessas nossas impressões sobre a obra de Mário Magno Cardoso, que a exaltamos sem nenhum favor, ela ainda trouxe-nos a lembrança do saudoso poeta Gabriel Dário Cardoso, filho do autor. Por outro lado, fez muito bem o autor em editar a sua grandiosa obra, o que certamente ela poderá nos ajudar a compreender o grito pungente dos que estão na informalidade do trabalho ou, ainda, numa sociedade violenta onde a lei é ditada pelos inúmeros traficantes. Mas, por certo, não tivemos ou não foi necessária a oportunidade de pegar em armas, porque basta-nos a pena de uma caneta para que possamos difundir as nossas idéias. E foi assim que fez o ilustre escritor Mário Magno Cardoso. “Hoje, aposentado, [ele] reside em Montes Claros onde com a amada esposa Laetícia teve onze filhos que são sua grande paixão, além da paixão pelas suas raízes e pela vida”. Mário não polemiza, mas isso não retira o mérito do seu trabalho de pesquisa como uma singela contribuição para a história política e social de nossa região. Parabéns Mário Magno Cardoso!

O RANCHO DA LUA E OUTRAS MEMÓRIAS


Dário Teixeira Cotrim

Memórias do Rancho da Lua é mais um livro ousado e que certamente causará polêmica assim como todos os outros livros de Amelina Chaves. A narrativa é quase uma conversa ao pé de ouvido, ela é mansa, é tranqüila, sussurrada e sem os (pre)conceitos ainda existentes na sociedade em que vivemos. O assunto aqui tratado é a controversa da prostituição, nua e crua, quando esta ainda encontrava-se na sua virgindade absoluta para os adolescentes menores de idade. Mas, de outro modo, para os homens, a sociedade aceitava-os nos prostíbulos com íntimas reservas nos diversos segmentos da família-comunidade. Portanto, Memórias do Rancho da Lua desnuda fatos passados e nunca dantes revelados do circuito entre Francisco Sá e Montes Claros ou em sentido inverso. Acima de tudo, este é um livro que nos revela a intensa preocupação da autora em resgatar a vida boêmia do povo brejeiro, não obstante os seus objetivos serem difíceis de ser atingidos em vista os desencontros das idéias preexistentes no cenário cultural de agora.

É, também, um importante relato os acontecimentos dos primeiros tempos da prostituição que, vistos através dos olhos de Amelina Chaves, uma brejeira oriunda de família simples e dona de uma rara sensibilidade, os faz sem falso pudor. Na verdade são os anjos anândrios que iluminam a escrita picante e adversa da autora, isentando-a de culpas e das desculpas pelo seu temperamento estranhamente introspectivo. Já se vê que é mais sério tocar em feridas cicatrizadas que numa horrorosa hemorragia que nunca se estanca.

O livro, além desta nossa modesta contribuição, ainda traz prefácio do ilustre historiador montes-clarense Haroldo Lívio que, descreve os dourados anos do Rancho da Lua com detalhes sutis, sem, sequer, ofender a dignidade dos personagens ali envolvidos. Então, aí está de que modo a história executa as suas passagens mais interessantes.

Por outro lado, esta interessante narrativa sobre a prostituição brejeira se inicia com um breve comentário sobre as origens da vila de São Gonçalo do Brejo das Almas (Francisco Sá), trazendo no seu bojo a saudosa zona boêmia do Rancho da Lua. É lembrada a figura ilustre de Zezim Trindade, um exímio contador de causos. Também a acadêmica Amelina Chaves enfoca a casa amarela, os cassinos e os admiráveis bordéis de luxo que são retratados com minudência pela autora para o deleite de seus notáveis leitores. É, pois, Amelina Chaves uma daquelas escritoras que sabe como ninguém explorar temas proibidos. È necessário saber sonhar sonhos impossíveis! O choque de idéias neste caso é tão somente o confronto sócio-ecônomico-político e sócio-cultural – presentes no texto – que são um elemento enriquecedor e determinam o impacto imprevisível que o livro, certamente, poderá (com)prometer. Será sempre assim porque não existe e nunca existiu nenhuma sociedade organizada sem prostituição.

Portanto, recomendamos a leitura deste livro, pois se trata, como já dissemos inicialmente, de uma viagem através dos tempos em que a prostituição era vista como essencial e que agora se trata de um roteiro básico para o aprofundamento da questão que é de suma importância para a nossa sociedade. Allan Poe dizia que toda obra que não pode ser lida de uma única vez fica prejudicada por intervenções externas, e que acabam destruindo a sua verdadeira finalidade. Neste caso, não só recomendamos como também insistimos que a leitura deva ser completa e prazerosa. A autora deixa uma mensagem de esperança quando finalizando a sua obra, afirmando que a necessidade de escrever é a única mola que impulsiona a utopia.

O PODER FEMININO

Dário Teixeira Cotrim

O mundo feminino estará atento para o futuro que há de vir. Neste aspecto as coisas estão se transformando numa rapidez tamanha que não damos conta de tudo que acontece em nossa volta. Foi pensando assim que o ilustre acadêmico, doutor Antônio Ferreira Cabral despertou para a pesquisa sobre o tema do Poder Feminino, de vital importância no destino de cada pessoa, do qual o espetáculo da vida pode se tornar o maior e mais eficiente instrumento de educação. Portanto, o livro que hoje acabamos de fazer a sua leitura tem esse importante compromisso, e ainda mais o de trazer conhecimento de um passado nebuloso, onde a mulher tem de arrostar de todas as maneiras e formas para realizar os seus sonhos de liberdade. As decepções do poder constituído somadas ao despreparo de uma sociedade cruel, desigual, e totalmente preconceituosa deixaram (e ainda deixam) marcas impagáveis da violência contra a figura da Mulher.

Escrever sobre a inteligência humana, nesse sentido, requer uma infinidade de pesquisas. Como de fato isso aconteceu. O minerador Cabral mergulhou nessas garimpagens com suprema audácia e esplêndida coragem para depois imiscuir-se na inteligência retrógrada do seu povo, com os seus costumes e as suas tradições, e assim debulhar o tema do poder feminino. O que antes era proibitivo e preconceituoso tornou-se agora assunto corriqueiro na sociedade e também nos meios acadêmicos. Desvendar com exatidão as situações vexatórias por que passou o sexo frágil tornou-se um trabalho gratificante e acima de tudo um estudo temático que honra e glorifica o povo e a nação, não obstante a existência de feridas ainda não cicatrizadas. Indiferentemente de tudo isso, o autor preocupou por criar uma literatura nova, com textos bem elaborados, textos suaves e condizentes com os assuntos propostos no projeto de sua escrita. Aliás, este livro ressalta a força da lógica na determinação da mulher dentro da sociedade de convivência e da conveniência, fazendo acreditar que as suas idéias aqui explícitas sejam transformadas em ações verdadeiramente convincentes.

Apesar do preconício dos fatos, o autor ainda teve a coragem de abrir um gigantesco leque sobre os pormenores verossímeis. O seu trabalho aborda desde os tempos dos homens das cavernas, passando pela idade média, quando se fala em sociedade civil (o casamento), pela prostituição e pelas lutas em que a Mulher batalhou para conquistar do seu espaço físico e espiritual, com todas as razões intrínsecas na sua alma e no coração. Por conseguinte, a procura da paz tão almejada pelas nações conflitantes. Por isso a questão consiste em saber se essa situação é irremediável ou se ela tende a ser superada.

Em síntese, a escrita de Cabral é de fácil compreensão. Pois, ela se adapta á beleza fulgurante da figura feminina com o mimetismo colorido dos velhos camaleões. Por outro lado, as suas considerações são formuladas por palavras francas e sem rodeios e, o que é muito mais importante, sem ferir a dignidade e a personalidade da mulher. È evidente que o livro O Poder Feminino – esperança da paz a que nós estamos referindo não constitui de um manual de boas maneiras, mas é um ótimo material de leitura paralela e esclarecedora, excelente fonte de sugestões e pesquisas para a discussão e a análise, também para os comentários e as exemplificações sobre o comportamento exemplar e vitorioso da Mulher nesses últimos séculos. Certamente que sim!

O respeito pela figura humana retrata muito bem no sofrimento de suas conquistas. Conforme disse Remy de Gourmont, “O homem começa amando o amor e termina amando uma mulher. A mulher começa amando um homem e termina amando o amor”. Parabéns Cabral!

NOVA ESPERANÇA


Dário Teixeira Cotrim

É fácil escrever sobre o livro de Jarbas Oliveira. É difícil escrever sobre o livro de Jarbas Oliveira. É fácil porque o seu livro é de tal modo que todos o entendem e é difícil porque a grande parte da população, não habituada à leitura, já o prejulga antes mesmo de lê-lo. Digamos de passagem que isso não implica sequer em diminuir o valor literário que ele tem. O li, e o li num só fôlego. Garanto-lhes, pois, que este livro se trata de um excelente livro-de-romance, o que nos faz recordar as brilhantes obras dos montes-clarenses Edson Ferreira Andrade (Kaline) e José Catarino Rodrigues (Sonhos de Algodão).

Por outro lado, o livro Nova Esperança, do escritor Jarbas Oliveira, permite que os seus leitores percebam com que facilidade a leitura é ali desenvolvida. O estilo empregado pelo autor não se acha atrelado a nenhuma escola literária que conhecemos. Nota-se, portanto, um misto de sensibilidade absoluta, de conhecimento das técnicas literárias e dos recursos gramaticais que, às vezes, de sua bela capacidade de ilustrar o ambiente com palavras descritivas onde se desenrola todo o drama do romance, a sua narrativa nos apresenta deleitosa, mas consistente de fatos. Isso, principalmente no que tange a parte das contendas jurídicas. Fica claríssimo o contágio das idéias de um dado momento em que forma o pacto amoroso entre o poder de decisão e a beleza da gratidão. Não é por pura coincidência que o autor deixa explícito, ao longo dos capítulos, a sua intenção de expor as diversas facetas do relacionamento – homem-candidato/homem-eleitor – permitindo com isso que o seu leitor tenha uma rápida identificação dos vícios da política em detrimento ao bem-fazer social.

Entretanto, se Martha – a personagem principal – não fosse uma criação literária, poderia ser mais uma vítima das injustiças que se cometem neste imenso país. Às vezes acontece que a força da paixão determina os rumos dos acontecimentos. Neste caso o autor deveria ter concluído o seu trabalho, mas não foi possível em vista de alguns fatos novelescos ainda não serem completamente explorados por ele. E o resultado não poderia ter sido outro senão o do amor ultrapassando todos os limites nele contidos. Haja vista que a qualquer luz que se pretenda lançar sobre o eterno relacionamento homem-mulher deve-se considerar antes de qualquer coisa um fruto da alma e do coração.

Temos certeza de que o novo livro Nova Esperança será muito apreciado, principalmente pelos alunos, porque a sua leitura é de fácil entendimento e o enredo nos oferece uma dramatização muito comum na vida cotidiana do nosso povo. São fatos parecidos que fazem com que os leitores se sentem imbuídos na obra. Creio até que o trabalho idealizado por Jarbas Oliveira tende a fortalecer-se por sua própria natureza, caracterizadamente, para as absorções das novas abordagens que contemplam, por exemplo, a pluralidade cultural e a diversidade de temas para a elaboração do romance, o que é incomum em nosso meio.

Com a publicação desta obra, o escritor Jarbas Oliveira se junta agora aos outros nomes, todos respeitabilíssimos na literatura montes-clarense, quando se trata de romancear uma história de amor. Uma plêiade de acadêmicos composta por Amelina Chaves (O Andarilho do São Francisco), Petrônio Braz (Jandaia: em tempo de seca), Olyntho da Silveira (A filha da Enfermeira), Ajax Tolentino (Amor Cigano), Ronaldo José de Almeida (Data Venia, Excelência!) e tantos outros. Acreditando na efetivação de sua proposta, o autor abre uma janela para o futuro, deixando nas entrelinhas que somente iniciou o romance Nova Esperança. Outros desdobramentos acontecerão na segunda parte do livro o que não deverá demorar muito tempo. Estaremos atentos!

NAS ÁGUAS DO RIO SÃO FRANCISCO


Dário Teixeira Cotrim

Acabei de ler um belíssimo livro: Nas Águas do Rio São Francisco. Há em suas páginas, de rica documentação, escritas com a objetividade de uma grande escritora e historiadora do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros, a acadêmica Maria da Glória Caxito Mameluque, a vitoriosa trajetória do sertanista Marcelo Mameluque Mota e, também, o estudo digno de atenção sobre a origem da família Mameluque (de João Mameluque de Castro) e Mota (de dona Dízia da Mota Castro). Interessante, da mesma forma, notar a presença de traços históricos sobre a cidade de Januária e, em particular, sobre o antigo distrito do Brejo do Amparo. O leitor ainda encontrará – e passará para as gerações futuras – crônicas documentadas, uma vasta documentação, fotografais e depoimentos gravados sobre a vida e muitas outras histórias de Marcelo Mameluque Mota. Portanto, Nas águas do Rio São Francisco é um livro que deve ser lido e relido, e que precisa ser passado de pai para filho e, assim, sucessivamente.

A bem da verdade, este livro trata-se de uma bem elaborada autobiografia, com narrativas carregas de doces emoções e com minudências nas exposições dos fatos históricos desde a partida do homenageado do antigo Brejo do Amparo até os seus 50 anos de atividades nos 500 anos do Rio São Francisco - fato ocorrido no dia 4 de outubro de 2001. O saudoso Reivaldo Canela, no excelente prefácio que fez, disse “que a narrativa [do livro] acontece rica, com autenticidade absoluta, vinda da própria personagem, entrevistada pela escritora”. Em nada diminui o mérito da autora que procurou compilar textos, retratos e documentos de origens diversas sobre aquele que muito “laborou em prol de sua terra e seu povo”.

É dentro desse ethos, no qual com muita simplicidade e persistência que a autora projetou-se na busca das informações documentais sobre as origens das famílias Mota e Mameluque. Como se vê, neste livro há um capítulo todo especial sobre o coronel Romão da Mota, homem extremamente corajoso, que sozinho matou 99 onças-pintadas. A centésima onça-pintada lhe feriu no braço, o bastante para que o tétano não lhe poupasse a vida. É inegável que Marcelo é um exímio contador de causos, todos narrados com arte. Assim, nesse jogo lúdico de emoções e surpresas, em que forma um documentário de importância inquestionável para a história de Montes Claros e região, o livro Nas Águas do Rio São Francisco, pelos textos e pelas formas apresentadas pela sua autora, insere na linha mais autentica das biografias brasileiras.

Marcelo foi, com justiça justa, homenageado pelos confrades da ACLECIA: Academia de Letras, Ciências e Artes do São Francisco, quando disse em seu discurso de agradecimento o seguinte: “Posso dizer sem medo de errar que o rio São Francisco nasce na serra da Canastra, em Minas Gerais, e morre no oceano Atlântico, no Estado de Alagoas, mas antes em seu percurso, ele passa pelo meu coração com o tisnado barrento de suas águas, de onde destaco a sua mais extraordinária riqueza, que vem a ser sua gente, da qual faço parte, pois aqui vivo. Neste vale, dei o primeiro grito de vida, e com certeza darei o meu último suspiro”.

Foi muito gratificante a leitura que fizemos do livro da escritora Maria da Glória Caxito Mameluque – Nas águas do Rio São Francisco – sobre a vida exemplar do seu ilustre cunhado, o doutor Marcelo Mameluque Mota. E, finalizando as nossas despretensiosas considerações queremos congratular com os amigos Silvana e Athos Mameluque pelo legado de bons costumes que o seu pai ainda hoje nos oferece na sua simplicidade de homem de retidão intocável, inteligente e bom proseador.

MOZART DAVID: UMA VIDA A SERVIÇO DE JACARACI


Dário Teixeira Cotrim

Li com muito proveito o documentário “Mozart David: uma vida a serviço de Jacaraci”, da ilustre acadêmica Zoraide Guerra David no qual ela tece a biografia vitoriosa sobre a vida e a obra da figura de Mozart David, homem simples do povo e político de alto prestígio, nascido em sua querida Jacaraci, onde ainda hoje é venerado com o carinho de sua gente. Certamente que escrever este livro foi uma idéia feliz de nossa distinta confrade. Conhecendo como eu conheço as suas obras, nunca é temeroso dizer que este documentário será mais um importante trabalho biográfico da autora: primeiro pela pessoa que é biografada em seu trabalho, um homem de retidão irretocável e de responsabilidade inquestionável. E, por outro lado, é sabido que as obras da autora sempre estão entre os melhores livros já produzidos neste sertão de Guimarães Rosa, e este não será diferente.

Portanto, é sobre a figura desse sertanejo jacaraciense que a escritora Zoraide Guerra David lança o livro: Mozart David: uma vida a serviço de Jacaraci, rastreando com visão de crítico e de pesquisadora os velhos caminhos em busca das informações necessárias para dar corpo a sua obra. Zoraide foi muito mais longe. Viajou léguas e mais léguas no encalço daquilo que lhe era indispensável. Por isso mesmo que este livro-documento é-nos apresentado com excessiva credibilidade, pois nele encontramos documentos reais e palpáveis. A autora ainda nos fala das diferentes fases do seu trabalho, nas entrevistas carregadas de emoções e também as juntadas de documentos e fotografias realizadas para se chegar à biografia do homenageado.

Desta maneira procedemos à leitura de alguns de seus poemas produzidos por determinada vertente crítica e que conduz à percepção da existência de um elo de amizade entre os poetas – dentre eles o saudoso poeta Patrício Guerra – e o grande homenageado do momento. Nada disso, porém, descaracteriza o valor e a fibra de um homem político determinado como era Mozart David, principalmente na sua conquista do poder público. Opiniões nada mais justas do que as dos seus entes mais íntimos para qualificar-lhe as virtudes e os defeitos por acaso existentes. Aliás, são exatamente essas pessoas as melhores conhecedoras da trajetória vitoriosa de Mozart David. O traço dominante e aparente, porém, era a sua inteligência. Uma inteligência fulgurante que só o povo mais simples do campo entendia, nada obstante a sua forma efetiva de relacionar-se com as classes mais abastardas. Mozart David era um homem do povo, e a confreira Zoraide soube muito bem explorar essa virtude sem ser injusta ou prepotente.

Difícil é para o pesquisador exercer a sua produção biográfica quando não encontra subsídios de que necessita para historiar o fato. Neste caso os subsídios são fartos e são verdadeiros. Haja vista que nas marcas de suas pesquisas inserem-se nela uma linguagem ora jornalística, ora documentária, ora telegráfica e ora por entrevista voluntária, isso devido às inúmeras opções legadas pelos familiares e amigos advindas do convívio de anos e muitos anos. É bem verdade que a nossa confreira também teve com o homenageado uma convivência saudável e sobre ele muita coisa já era do seu conhecimento.

No geral o livro de Zoraide é realmente um documentário completo e perfeito. Um bom começo ou incentivo para quem quer conhecer a vida pregressa de homens sérios, capazes de mudar para melhor as situações e as condutas inerentes a um povo. No meu modo de entender, os pesquisadores devem escrever e tornar público o que conhece sobre a vida do seu biografado. O conhecimento amplo e irrestrito, em suma, é formado pela curiosidade ou pela oportunidade de elementos subjetivos e objetivos. Poder-se-ia dizer que o elemento “subjetivo” aqui se torna facilmente superado pelo “objetivo” em razão da forma empregada pela autora nas coletas das inúmeras informações. Pois foi assim que aconteceu com os seus outros livros.

Antes de tudo, é preciso recordar que o Documentário Mozart David: uma vida a serviço de Jacaraci “é a luz máxima dos acontecimentos”. É assim porque no entrecho do projeto, este livro deverá cumprir o seu objetivo maior, que é o de resgatar o passado histórico além das tradições e dos costumes da terra e do homem. Como se vê, as características históricas do município, com as descrições de seus rios, serras, fazendas e distritos, devem enriquecer o obra como um todo. Desde então, pode dizer-se que o Morro do Chapéu, localizado na serra das Almas, ainda permanece todo garboso indicando que a pequena Jacaraci fica ali bem pertinho. Daí a consideração final do meu depoimento: o Documentário Mozart David: uma vida a serviço de Jacaraci será uma obra eterna, assim como eternas são hoje as obras e a vida de Mozart David.

MEMÓRIAS DA INFÂNCIA


Dário Teixeira Cotrim

O confrade Reivaldo Canela, pessoa de quem sou admirador incondicional, emprestou-me o livro Memórias da Infância, do poeta Júlio César de Melo Franco. O livro traz ilustrações do renomado artista plástico Konstantin Christoff, fato este que somente valorizou e nobilitou a obra literária de Melo Franco, tendo em vista o prestígio e o sucesso que as suas pinturas vêm contabilizando ao longo do tempo. Nada poderia ser diferente, o resultado da união entre essas duas criações – de Melo Franco e Christoff – senão uma belíssima obra de arte. Por outro lado o trabalho Memórias da Infância nos faz lembrar do recente livro de nosso confrade Luiz de Paula Ferreira que também escreveu e editou, para a nossa felicidade, um excelente trabalho memorialista (Por cima dos telhados, por baixo dos arvoredos).

A escrita de Memórias da Infância é uma conversação. É um recontar de causos até então esquecidos no tempo. É um relembrar dos amigos de caçadas de “encontro” ou de “espera” e uma única pescaria acontecida no Poço das Antas, do rio Jabuticabas. Talvez, seja este livro uma análise na formação genealógica da parentela ascendente e descendente do ilustre poeta. Na verdade aqui se trata de um baú de reminiscências, onde estão guardadas as doces lembranças, e as mais distantes de que poderia imaginar o autor. Cantar e encantar a fauna e a flora do grande sertão do Urucuia também faz parte de suas dissertações.

É interessante notar que o velho Affonso Arinos ao escrever Pelo Sertão descreveu minuciosamente o Buriti Perdido do Urucuia. “No meio da campina verde, de um verde esmaiado e merencório, onde tremeluzem às vezes as florinhas douradas do alecrim do campo, tu te ergues altaneira, levantando ao céu as palmas tênues”. Melo Franco relembra com saudades do velho Affonso Arinos.

Na apresentação do livro diz o autor que tudo aconteceu em vista de um pedido de sua netinha Thalita. Pode ser. Entretanto, nenhum escritor-poeta gostaria de ver apodrecendo nas gavetas do menosprezo as suas inúmeras memórias. Apesar de tudo, se o livro de Melo Franco não é suficientemente saudosista, o assunto de que trata sem nenhuma dúvida o é. Para finalizar essas minhas considerações sobre a obra de Melo Franco, recorro-me agora o que disse seu amigo e prefaciador Cesário Termando Rocha: “Por fim, defrontamos com uma nota triste em suas Memórias, quando ele abre as válvulas do seu magnâmico coração e deixa jorrar toda uma tristeza, que lhe vem do pélago profundo de sua alma!... Fala da perda da querida filha Júnia, vencida por indomável enfermidade, ainda nos belos dias de sua carreira como professora do Conservatório de Música de Montes Claros. E, mais ainda, da moléstia, que a ele também veio aos poucos carcomendo e que logo após findas essas memórias o roubou de nosso convívio levando-o aos páramos ignotos da eternidade”.

Agradeço de todo coração ao amigo e confrade Reivaldo Canela a oportunidade, a mim prestada, de conhecer um pouco mais sobre a vida e a obra de Júlio César de Melo Franco. Acadêmico nas letras, Melo Franco ocupava a Cadeira de número 23 da Academia Montesclarense de Letras, como sócio fundador. No Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros ele é patrono da Cadeira de número 71. Veio a falecer “um mês depois de completar os seus 70 anos”, legando à posteridade um nome sobre todos os pontos de vista digno, um exemplo verdadeiro de honestidade, de saber, de cultura e de trabalho pelo bem comum.

MAGNIFICAT


Dário Teixeira Cotrim

Estou lendo um magnífico livro. O livro Magnificat (Representações de Nossa Senhora), que tem inserido em suas páginas o currículo das Nossas Senhoras. No mesmo momento estou ouvindo a linda canção Todas as Nossas Senhoras (Roberto Carlos – Erasmo Carlos): “Minha Mãe Nossa Senhora/ Somos todos filhos seus/ Todas as Nossas Senhoras/ São a mesma Mãe de Deus”. É, certamente, a união da literatura com a música um momento de rara felicidade, haja vista que nem sempre a literatura deste gênero circula com tal facilidade por entre a população como são disseminadas as músicas, principalmente se tratando do rei Roberto Carlos. Mas, o livro Magnificat, escrito em duas mãos, pelas acadêmicas do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros, Maria das Mercês Paixão Guedes e Milene Antonieta Coutinho Maurício, retrata com fidelidade a história histórica das Nossas Senhoras, com uma curiosidade muito importante para a nossa terra e o nosso povo: A biografia de Nossa Senhora de Montes Claros.

Foi iniciada a construção da Igreja, sob a invocação de Nossa Senhora de Montes Claros, no dia 6 de setembro de 198, no Bairro Maracanã, uma idéia acolhida pela comunidade e aprovada pelo Bispo Dom José Alves Trindade. No ano seguinte, 8 de setembro, o Bispo Coadjutor Dom Geraldo Magela de Castro entregava a Igreja, ainda não totalmente concluída, à comunidade montes-clarense, no meio de alegres festejos que duraram três dias, conforme disse-nos a sua brilhante autora Maria das Mercês Paixão Guedes.

É sabido da ardente paixão de Maria das Mercês Paixão Guedes pela história religiosa da nossa cidade e o cuidado que ela tem em catalogar documentos inerentes a Arquidiocese de Montes Claros. No primeiro volume da Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros ela contribuiu com o excelente artigo intitulado Sob a Sombra de Tuas Asas (Sub Umbra Alarum Tuarum), registrando toda a história da criação da Diocese de Montes Claros (1903 – 1943).

O magnífico livro Magnificat (Representações de Nossa Senhora) ainda traz uma antologia com poemas e, também, um álbum fotográfico contendo 96 estampas alusivas às Nossas Senhoras ali retratadas. São 558 páginas, mas era preciso que fosse assim para não ficar prejudicada a pesquisa realizada. Na quarta capa disse-nos Antônio Carlos Santini que “Magnificat é um livro para católicos que se sentem filhos. Que ainda olham para a Virgem Mãe de Deus como sua própria mãe” e concluiu dizendo “Que a leitura de Magnificat ajude todos os leitores a crescer no amor de Deus e a Maria, sua obra-prima”.

O presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros, o doutor Wanderlino Arruda, agradece a Maria das Mercês Paixão Guedes pela oferta do livro Magnificat (Representações de Nossa Senhora), atitude esta que todos os membros do IHGMC deveriam fazer, pois sabemos que a sua obra vai valorizar o acervo da nossa Biblioteca e, ao mesmo tempo, facilitar aos nossos confrades a oportunidade de ler e pesquisar sobre esse tema fantástico que é a história de todas as Nossas Senhoras.

Hino a Nossa senhora de Montes Claros: “Dá-nos a bênção, ó Mãe querida/ de Montes Claros Senhora e Mãe!/ Dá-nos a bênção, Mãe do senhor,/ de Montes Claros és o esplendor”. Confesso que estou feliz. Aliás, agora são muitos os motivos da minha felicidade. Primeiro, porque sou católico e a obra de Maria das Mercês preenche em mim um espaço carente de fé e de devoção. Segundo, porque é muito bom saber que o nosso egrégio Instituto Histórico possui acadêmicos com formação religiosa assim como a nossa confreira Maria das Mercês Paixão Guedes.

POR CIMA DOS TELHADOS, POR BAIXO DOS ARVOREDOS


Dário Teixeira Cotrim

O livro Por cima dos telhados, por baixo dos arvoredos, do confrade e amigo doutor Luiz de Paula Ferreira é uma obra primorosa da literatura montes-clarense. O autor nos apresenta “uma edição artesanal, de dez volumes, dedicado aos filhos e descendentes”, como bem observou o jornalista Manoel Hygino dos Santos na sua crônica “O filho do tropeiro”. Sobre os outros livros de Luiz de Paula – A Venda do meu Pai e Momentos – já os comentamos em outras ocasiões. Porém, ao receber em minha casa o livro Por cima dos telhados, por baixo dos arvoredos tomei comigo mesmo o compromisso de destinar-lhe uma crônica simples, mas que espelhasse alguma coisa mais do que um elogio protocolar de uma escrita de circunstância.

Por isso, a elaboração desta despretensiosa tarefa de escrever acontece no exato momento em que a alma se faz criança, e que se destina a quantos tenham orgulho de se sentir montes-clarenses.

Muitos não sabem ainda dos laços de amizades que unem a mim ao doutor Luiz de Paula Ferreira. A Academia Montesclarense de Letras, o Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros e o Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais podem ser os responsáveis de uma dessas predestinações da vida. Hoje sinto um grande orgulho de poder dizer da nossa recente e profícua amizade. O destino, no entanto, nos reserva surpresas agradáveis e evidencia, de princípio, uma verdade alvissareira: é com subida honra e com grande alegria que tenho em minha modesta biblioteca um exemplar do livro Por cima dos telhados, por baixo dos arvoredos.

Este livro foi escrito com a alma e o coração. É uma autobiografia sem ser uma apologia, senão o entusiasmo e a felicidade dos anos vividos pelo escritor em meio à exaltação da fantasia. A sua escrita é de uma simplicidade a que não estamos habituados. Luiz de Paula é o escritor dos esplendores e das maravilhas e, para isso basta olhar em Momentos as belezas e os encantos de sua primorosa criação artística. E o segredo do seu encanto de escritor e poeta não reside em louçanias de estilo e nem em artifícios extrínsecos de formas, mas no potencial humano de sua própria existência. O livro é uma viagem luminosa que se faz pelo tempo e através do tempo. Nele, há paradas nas larguezas do caminho. Nele, as descrições podem nos dar a dimensão exata de uma doce saudade. E este é o pensamento central de sua influente obra.

“Ao retornar ao passado pelas trilhas da lembrança a alma se faz criança revendo um mundo encantado. Cada novo passo dado a um outro passo convida e nessa marcha invertida eu vou encontrando a esmo os pedaços de mim mesmo deixados ao longo da vida”. Por cima dos telhados, por baixo dos arvoredos eu o li de um só fôlego e não me canso de relê-lo, ora esta página, ora aquela outra, nas minhas horas de nostalgia no aconchego de minha biblioteca e não há quem não sinta saudades no volver de sua escrita. A dedicatória impressa na página inicial sempre me comove quando a leio. O autor disse-me: “Ao doutor Dário Teixeira Cotrim, com todo o apreço de Luiz de Paula Ferreira. Abril/2008”.

A obra de Luiz de Paula Ferreira desloca-se no espaço e no tempo e ganha o infinito-universo das letras. Como já afirmamos em parágrafo anterior, o livro Por cima dos telhados, por baixo dos arvoredos não é uma apologia à vida. Também não é este livro uma obra de auto-ajuda, mais um modelo essencial para o conhecimento biográfico, histórico e crítico de um escritor já consagrado pelos trabalhos produzidos ao longo de todos esses anos. Confesso, pois, com alegria e sinceridade que não conhecemos nada mais meritório, oportuno, inteligente e útil. Parabéns doutor Luiz de Paula Ferreira!

MONTES CLAROS, CLAROS MONTES: NOSSA TERRA, NOSSA GENTE


Dário Teixeira Cotrim

Eu tenho um livro escrito por duas mãos: dóris & dário. O Secretário de Cultura, Ildeu Braúna, também tem um. A acadêmica Yvonne Silveira tem vários deles. Aliás, tem muita gente que tem um ou mais de um livro escrito por duas mãos. Ter a felicidade de compartilhar com alguém essa oportunidade de escrever livros a dois é uma dádiva de Deus. É assim porque neles não há egoísmo e nem tampouco o fruto das falsidades. Falando nisso, agora mesmo eu acabei de ler um livro assim: Montes Claros, Claros Montes - Nossa Terra, Nossa Gente, de Helena Pereira Nascimento e Martins e Terezinha Campos. A primeira delas aventurou-se na prosa descrevendo alguns dos momentos mais importantes da vida social de Montes Claros, com elegância e fidelidade. Enquanto isso, Terezinha Campos construiu versos, os mais belos versos sobre a vida pacata da cidade em que nasceu e ama com muita devoção. A leitura deste livro foi para mim uma gratificante viagem ao tempo pretérito.

É certo que nas anotações de Helena Pereira recordamos momentos de real encantamento e que resultaram num documentário valioso sobre a história de Montes Claros. Ora, foram poucas as vezes que freqüentamos a Boate da Praça de Esportes, entretanto a canção d’o milionário, que era interpretada pelo conjunto Les Cherris, ainda hoje nos emociona quando a ouvimos de um aparelho de som. É incrível como Os Incríveis souberam imortalizar esta belíssima canção. Por outro lado, o Mercado Velho e o Cine Teatro Fátima são duas lembranças vivas de quando aqui cheguei. Também me lembro de um antigo rádio – ainda com válvulas e sempre sintonizado na ZYD-7 – que permanecia empoeirado sobre um pequeno tabuleiro num canto qualquer do meu quarto de dormir. Nesta ocasião eu era inquilino do saudoso Hotel Glória que era localizado na esquina das ruas São Francisco e Rui Barbosa, de dona Gercina e seu Jove. Ah, quantas saudades!

Na segunda parte do livro estão os poemas de Terezinha Campos. Para que as saudades e as lembranças possam ter alguma serventia no presente é necessário valer se deles a todo tempo para recordar do tempo passado. Assim são os poemas do livro Montes Claros, Claros Montes – Nossa Terra, Nossa Gente. Conheço a poetiza Terezinha Campos desde os idos do fatídico ano de 1968. O seu esposo José Luiz era meu colega de trabalho no Armazém Itapoã. Foi um período extraordinário, onde a palavra “saudade” existe para designar a nossa própria experiência do tempo.

As reminiscências de Terezinha Campos iniciam exatamente nesta época em que a cidade de Montes Claros passava por transformações que viriam modificar a sua representação para a cidade de porte-médio. Os seus poemas nos fazem lembrar das crônicas inteligentes de Wanderlino Arruda, Petrônio Braz e Raphael Reis. Para a escritora Terezinha Campos o tempo é o elemento da narrativa, assim como é o elemento da vida. É por isso que as suas produções literárias têm o apoio da classe estudantil e a dos professores. Mas, o que mudou para que a poesia, antes desprestigiada e considerada nociva à sociedade, adquirisse legitimidade tão ampla entre os leitores montes-clarenses? Foi sem dúvida o sentimento de amor que os poetas dedicavam e ainda dedicam à cidade natal dos montes claros.

Falar da figura de dona Etelvina – “Deus lhe pague a sua esmola/ que me deu com afeição/ que do céu receba a paga/ Deus lhe pague, meu patrão” – do Galinheiro que, “tranqüilo, manso, ordeiro/ atirando-lhe pedras incertas/ foi morto o bom Galinheiro” é recordar e viver! Para a autora, as desilusões e os sofrimentos ainda correspondem à dura realidade em que vive o povo de Montes Claros. “Neste trabalho que é um período da verdadeira história de Montes Claros, as autoras retratam, através do sentimento, homenagens ao seu povo, lugares, situações e acontecimentos, ora alegres, por vezes cômico, ora tristes, ou somente revividos, onde mergulham trazendo à baila muitas emoções”. Montes Claros, Claros Montes – Nossa Terra, Nossa Gente “é um livro para ser lido com carinho e guardado no baú das recordações de cada coração”.

ETERNO INSTANTE


Dário Teixeira Cotrim

Amor é fogo que arde sem se ver (Luiz Vaz de Camões)


A noite de autógrafos do livro Eterno Instante, da acadêmica Miriam Carvalho, foi um momento inesquecível para as letras montes-clarenses. O evento contou com o apoio da Academia Montesclarense de Letras, do Instituo Histórico e Geográfico de Montes Claros e também da Academia de Letras, Ciências e Artes do São Francisco e foi presidida pela ilustríssima professora Yvonne de Oliveira Silveira, que falou da importância da palavra, principalmente quando essa palavra é impressa em livros e jornais. Disse-nos, ainda, a professora Yvonne, que a escritora Miriam Carvalho é a exuberância e o entusiasmo da nossa augusta Academia. Ela é o entusiasmo da vida, da beleza, da arte, e do amor e pela alegria de viver.

O livro Eterno Instante é lindo! Não há como negar essa afirmativa. Ele apresenta-se em formato prático para o manuseio e impecável na sua feição gráfica. É um livro lindo no espírito e lindo na alma. Há nele belíssimas mensagens de fé. É quase impossível para o leitor não perceber a simplicidade de seus poemas, fato este que não estamos habituados a ver na literatura regional. Há, por um lado, uma pitadinha histórica na Fotografia de uma Cidade e, por outro, um chamamento muito especial em O Deus de meu Deus. Este livro de poesias é de quem quer tornar-se o anjo mais íntimo dos deuses e dos céus em visita à terra “com a missão de prevenir os desprevenidos, tranqüilizar os ofensivos, sem sofismar quem tem razão e sem dizer coisas impossíveis”.

Hoje não se quer dizer que só nas regras clássicas se situe o ponto de partida para a composição poética. A liberdade de expressão carregou para si todas as formas literárias e, Míriam Carvalho, inteligentemente, soube aproveitar dessas generosidades poéticas e edita mais um livro (Eterno Instante) contendo nele as mais belas poesias de sua inconfundível lavra poética. A feitura poética de Miriam Carvalho é rica de efeitos pela diversidade da aliteração. Uma coisa é fazer, na prosa, fluir a poesia com beleza e técnica. Pois, assim faz Waldir de Pinho Veloso e agora a acadêmica Miriam Carvalho. A outra, é a poesia aparecer na prosa versificada. Nota-se bem que nada disso poderá confundir a prosa de ficção com a poesia do imaginário. É o que faz a nossa confreira Karla Celene Campos e, também, a acadêmica Miriam Carvalho.

No plano estritamente literário, verifica-se, em decorrência da paixão pela obra camoniana, um momento especial no poema Preso por Vontade. “Canta Camões sobre o amor/ aprisionado em si mesmo/ numa dor suposta dor/ ferida que não se sente/ dor sem ter alma doente/ no coração da humana gente”. No clássico soneto Amor é fogo que arde sem se ver, de Luiz Vaz de Camões, no primeiro terceto do soneto encontramos exatamente o que determina essa paixão: “É querer estar preso por vontade...”. A propósito, na apresentação da obra o Eterno Instante, disse-nos o ilustre professor Lauro Meller “que Miriam é poeta em tempo integral, dessas pessoas cuja paixão pela literatura transborda não apenas nos seus escritos dado ao grande público, mas até mesmo em sua correspondência pessoal, que mais parece prosa poética”.

Miriam Carvalho é membro efetivo da Academia Montesclarense de Letras, onde ocupa a cadeira número 6 que tem como patrono o jornalista Ari de Oliveira. No Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros ela ocupa a cadeira de número 88 que tem por patrono o doutor Plínio Ribeiro dos Santos. Constam de sua bibliografia os seguintes livros: Canção para lembrar o outro (poesia); Licença para viver (prosa) e Eterno instante (poesia).

GROTÃO


Dário Teixeira Cotrim

Diante do belíssimo prefácio de Luiz de Paula Ferreira, sobre o livro Grotão, do acadêmico João Valle Maurício, fiquei temeroso em comentar a sua obra como sempre faço com os livros que leio. Entretanto, por uma obstinação excessiva da minha vontade preferir não me calar diante daquilo que eu desejava. Então, li atentamente e gostei da coletânea de contos do livro Grotão. Confesso que o talento do nosso saudoso confrade Maurício, como comediante da vida real, era simplesmente impecável. Não tive intenção de pesquisar tendências ou as falhas de estética literária, apenas preocupei-me em saborear a beleza contida em cada conto de sua obra. Os seus textos de fácil leitura e a sua facilidade em provocar situações inusitadas são objetos de cobiça de muitos de nós. Maurício foi professor universitário, historiador e homem das letras. Era um dos melhores papos da cidade assim como foi o nosso confrade da academia, o coronel Georgino Jorge de Souza. Maurício contava histórias de sua terra até mesmo àquelas historietas mais simples dos personagens e das personalidades do passado e do presente e sempre carregadas de humor no seu melhor estilo.

Neste livro, o autor reuniu dezenove contos, quase todos no gênero apólogo e de saudosas lembranças. Parece-nos desnecessário ressaltar, mas os contos aqui são escritos em tom bastante lírico. Alguns casos como Grotão, por exemplo, e que deu título ao livro, são todos de natureza sentimental onde o autor descreve sobre a esperança, os sonhos e os sofrimentos. Vejamos: “Quando Tereza anda, a tentação balança, soltinho dentro da blusa. O coração de Macário balança, solto dentro do peito”. Podemos, entretanto, enumerar outros aspectos relativos à obra: “a galeria de personagens [que] é numerosa e extremamente viva. Habitantes da cidade, de todas as categorias profissionais não são esquecidos. A linguagem do lugar também está presente. E os costumes municipais não são olvidados”. Maurício tinha uma imaginação prodigiosa!

Muitos dos casos contados no livro Grotão, confundiram-se com as saudosas lembranças de minha doce infância. Aliás, a exemplo disso eu me vi a bordo do maria-fumaça, fato que aconteceu no ano de 1962, quando pela primeira vez percorri os trilhos da estrada de ferro de Monte Azul a procura da cidade de Montes Claros. Noutro momento mágico “O Circo de Antigamente” veio bulir com os meus verdes anos, despertando em mim a fantasia de ser criança nos seguintes versos: “-Hoje tem marmelada?/ -Tem sim senhor!/ -Hoje tem goiabada?/ -Tem sim senhor!/ -E o palhaço o que é?/ -É ladrão de muié!/ -Olha a negra na janela!/ -Óia ela – Óia ela/ -Com cara de panela./ - Óia ela – Óia ela...”. É quase impossível para o leitor não se deixar arrebatar imediatamente pelos contos de João Valle Maurício.

Além de poeta Maurício foi contista, cronista e dos bons. Uma celebridade nas letras, um excelente contador de causos. Os seus artigos sempre saíam nas páginas dos primeiros hebdomadários montes-clarenses e, depois disso, continuavam a ser publicados nos principais jornais de cidade. Disse-nos o ilustre Luiz de Paula Ferreira, no seu excelente prefácio para Grotão, que a suavidade da escrita do Maurício era uma característica sempre marcante. Nota-se – disse ele – que Grotão não pode ser classificado como uma obra regionalista. Pois ela é, na maioria de suas páginas, localista, diríamos, quase bairrista, alçando-se nas demais a amplidões sem medida. É quase por inteiro o livro de um pedaço do passado. Certamente não sabemos qual de seus contos é o melhor. Em resumo: Grotão é um livro excelente.

Na bibliografia de João Valle Maurício, um dos mais ilustres representantes da literatura montes-clarenses, consta a publicação dos seguintes livros: Grotão (contos) pela Livraria Itatiaia no ano de 1962; Taipoca (contos) pela Editora Itatiaia no ano de 1974; Rua do Vai Quem Quer (contos) – 1ª edição (contos) pela Editora Comunicação; Pássaro na Tempestade (contos), pela Imprensa Oficial de Minas Gerais, 1982; Rua do Vai Quem Quer (contos) – 2ª edição, pelo Armazém de Idéias, 1992; Janela do Sobrado: Memórias. 1ª edição. Editora Arapuim; Beco da Vaca, Editora Arapuim, 1999 e Janela do Sobrado: Memórias. 2ª edição. Unimontes. 2007.