terça-feira, 9 de junho de 2009

MEMÓRIAS DA TERRA DO BOI SURUBIM - Antônio Ferreira Cabral


Dário Teixeira Cotrim

Os caminhos se cruzam e a cada momento encontramos pessoas ilustres que há muito gostaríamos de ter conhecido. Foi assim que aconteceu recentemente comigo. Num encontro casual, ocorrido na Editora e Gráfica Millennium, eu e o escritor Antônio Ferreira Cabral fomos apresentados pelo amigo comum Pedro Ribeiro Neto. Era ali o início de uma bela amizade. Neste mesmo dia recebi de Cabral o belíssimo livro sobre as Memórias da Terra do Boi Surubim, recheado de informações históricas de Surubim (PE), a cidade natal do autor.
Memórias da Terra do Boi Surubim tem selo da Editora Unimontes. Nas palavras de Jessé Cabral, que escreve em uma das orelhas do livro, disse-nos com muita propriedade o seguinte: “esburaquei, fucei, escarafunchei, transportei, revirei, entrei pela porta da cozinha, saí pela porta da sala, na camarinha, no quarto de dormir, no banheiro, lá atrás, cercado de palmatória, de avelós, junto ao poleiro de galinhas”. Ah, meus amigos, também foi assim que aconteceu comigo. E não se enganem, vocês verão que a veracidade das palavras do apresentador Jessé Cabral vai muito além do que está registrado no livro.
A escrita de Antônio Ferreira Cabral, por somente prudência, não diz tudo que ele sabe, mas ele sabe tudo do que diz, porque é um homem estudioso e apaixonado pela terra em que nasceu. Ele inicia o seu trabalho de pesquisa, escarafunchando velhos documentos deixados em gavetas abandonadas e outros mais nos arquivos públicos de sua cidade. A origem da vila de São José de Surubim, os costumes e as tradições do seu povo e a incansável luta pela água potável, líquido precioso que de vez em quando falta para o consumo da população, são descritos aqui com fidelidade absoluta. Histórias outras são documentadas nas músicas nordestinas e também na literatura de cordel (Romance do Boi Surubim – poesia extraída do livro “Folclore Brasileiro”, de Sílvio Romero).
Além de vários aspectos da comuna (sociais e econômicos) o autor ainda traz para o conhecimento dos seus leitores pequenas biografias de personagens populares de sua terra. São nomes interessantes encontrados no decorrer da leitura que nos causa espanto, risos e, acima de tudo, nos transporta para o imaginário dos fatos e dos causos relatados pelo autor num piscar de olhos. Vejamos: Antônio Sorveteiro, Zé Gago, Cego Balabau, Antônio Doido e tantos outros. O livro Memórias do Boi Surubim é sem dúvida um rico patrimônio da história do povo surubinense. E é por essa razão que o historiador Antônio Ferreira Cabral não se esquece um só minuto de exaltar a sua terra querida e o seu amado povo surubinense. Ora, isso equivale a reviver os melhores momentos de infância quando ele brincava e cantava as românticas e belas cantigas de Roda; quando ele escutava apreensivo, as horripilantes histórias de assombração e não menos aterrorizante cova de um menino pagão, agora retratadas em poemas.
O livro de Antônio Ferreira Cabral tem tudo isso e muito mais. Enfim, um trabalho completo que envolve os nossos sentidos e aguça a nossa eterna curiosidade de ser humano, ou seja, é uma oportunidade de viajarmos para o Surubim e conhecer de perto toda a sua trajetória histórica, bem como a secular lenda da onça que comeu o boi surubim.
É verdade que já nem sei brincar de cantar belas cantigas de Roda. Mas sei dizer a quem precisa ouvi-las: leia o livro de Antônio Ferreira Cabral. Pois, podemos tomar café e comer boas de milho ouvindo com atenção as Memórias da Terra do Boi Surubim. O lançamento deste livro, estamos certos, conquistarão para o autor novos triunfos em sua brilhante carreira de historiador e também novos admiradores de sua escrita literária. Bem haja! Como diz o confrade Wanderlino Arruda.

MARIA DUSÁ - Lindolfo Rocha


Dário Teixeira Cotrim

Muitas vezes quando falamos sobre os nossos escritores, os mais lembrados sempre são os acadêmicos Cyro dos Anjos e Darcy Ribeiro. Sem dúvida que esses dois são os ícones da literatura montes-clarense. Eles sempre estiveram entre os mais requisitados nas livrarias e nas bibliotecas de todo o território nacional. Primeiro porque eles participaram da vida política brasileira e depois, porque foram eles membros efetivos da Academia Brasileira de Letras. Certamente que isso contribuiu para que a nossa querida cidade de Montes Claros se faça hoje conhecida e reconhecida como a Cidade da Arte e da Cultura. Um fim outra coisa é senão um valor posto e reconhecido do nosso confrade e amigo Reginauro Silva, que assim o cognominou desde algum tempo no passado.
Entretanto, existem outros tantos nomes que por motivos diversos estão vivendo no anonimato das nossas letras. Até creio que, para alguns deles, uma parcela considerável da população montes-clarense nunca os tenha ouvido falar. Consoante nosso entender, iniciaremos aqui falando sobre o doutor Lindolfo Jacinto Rocha, o autor do romance Maria Dusá. Era Lindolfo natural de Grão Mogol/MG, nasceu em 3 de abril de 1862 e era filho de Manoel Jacinto Rocha e de dona Irene Gomes Rocha. Também é verdade que não se sabe muita coisa a respeito dos seus primeiros anos. Mas, temos notícias de que ele residiu uma temporada na cidade de Brumado e, depois, foi com a mãe em busca de seus familiares na Chapada Diamantina. Segundo o biografo Epitácio Pedreira de Cerqueira, disse-nos que o recém-nado Lindolfo recebeu das mãos do vigário José Vitório de Souza, de São José do Gorutuba, a água lustral. (Esse vigário, conforme nos relatou o mestre Simeão Ribeiro Pires, foi aquele que protagonizou o célebre episódio O Padre e a Bala de Ouro).
Lindolfo Rocha escreveu o romance Maria Dusá (Maria dos Ah!). Nesta mesma época (1910) ele conheceu, em Lençóis, os escritores Afrânio Peixoto, Herman Lima e Herberto Sales, todos do ciclo diamantífero baiano. “Maria Dusá é a fascinante mundana que, na agreste região do garimpo, ostentando grande luxo, tem aos seus pés aventureiros de todos os tipos até que, um dia, tomando uma atitude profundamente humana, resolve sacrificar-se pelo objeto do seu amor, renunciando a todas as leviandades. Cercam-na os homens mais brutos e sedentos de prazer e fortuna, mesmo assim, ele se mostra capaz de bons sentimentos. Um forte romance de Lindolfo Rocha, todo narrado em pura linguagem regional, que já se fez telenovela, e é um dos mais empolgantes de seu gênero”.
Quando das nossas pesquisas para a elaboração do livro História Primitiva de Montes Claros, fomos buscar no livro Maria Dusá a seguinte informação: “Desde que saí de Serra Nova – município de Rio Pardo de Minas – quase não descansei. Cheguei em São Félix, achei logo frete inteirado para Maracá. Aí tampei a tropa de sal. E aí para casa. Mas, no Gavião, soube que na lavra do Mucugê, sal e toucinho estão bons. Então troquei um bocado de sal por toucinho e aqui vou eu...”. Se, por um lado, o acadêmico João Guimarães Rosa escreveu sobre o grande sertão dos gerais, por outro, o grão-mogolense Lindolfo Rocha produziu com muita primazia e competência um livro sobre as tradições e os costumes da Chapada Diamantina no interior baiano, merecendo com isso lugar de relevo na literatura romanceada brasileira. Portanto, importante para o sertão bruto norte-mineiro é cultuar nomes que engrandecem as letras e as artes de nossa terra. O livro Maria Dusá é um documentário que trata e retrata temas fortes e violentos, onde a paixão exacerbada de um povo constrói verdadeiras cenas munidas de ódios e de vingança. Não cabe aqui por certo discutir a obra, mas a origem do autor da obra. Lindolfo Jacinto Rocha era filho de Grão Mogol, era mineiro de nascimento, e era o escritor apaixonado pelas coisas das Minas Gerais. Benza Deus!

MALVINAS: CRÔNICAS DE GUERRA - Fernando Zuba


Dário Teixeira Cotrim

Malvinas: crônicas de guerra são os depoimentos do jornalista montes-clarense Fernando Zuba. Para compor um livro como este, embasado em narrativas importantes para a história da humanidade, certamente que o autor rabiscou, garimpou, pesquisou e, sobre tudo, viveu e conviveu com as situações das mais desagradáveis e perigosas para poder catalogar com a arte do bem dizer os subsídios necessários para a confecção de sua obra. Isto porque, o seu livro trata com muita elegância e fidelidade os quadros vivos e chocantes de uma guerra anunciada.
Entretanto, o que é conhecido num cenário de guerra onde o homem, agindo como bestas feras, mostra nos a fragilidade cultural de seu povo que de pronto arranha e se destrói incontinente, e chama-se isso de atrevimento. Seja como for, nas pinceladas de Fernando Zuba o livro torna-se belo, apaixonante e emocionante ao rebuscamento do vocabulário perfeito. Portanto, Malvinas, crônicas de guerra lê-se de ponta a ponta com o mais vivo dos interesses. Afinal, este livro é o “resultado das reminiscências trazidas á luz do presente” por definição poética do próprio autor.
Sendo assim, podemos dizer que se trata aqui de um velho baú de tristes memórias. Memórias dolorosas das hostilidades entre Falklands versus Malvinas. Aliás, são essas as memórias de um montesclarense guerreiro, simples e sonhador, que viveu o pesadelo de uma guerra bestial. A narrativa na primeira pessoa é a maneira pela qual o autor encontrou para se dedicar inteiramente à gigantesca tarefa de registrar e, também, o de documentar o que houve de mais importante e de mais significativo para a história nos dias em que ele permaneceu nas Malvinas, até o final do confronto. Sua experiência profissional como jornalista e o seu conhecimento pessoal das situações de perigo, tudo isso aliados a essa prodigiosa oportunidade do bem informar, atestam a qualidade de sua obra que, com uma visão intimista de observador, o escreveu sabendo do que falava.
Uma melhor visão da guerra é encontrada no capítulo intitulado “O dia-a-dia dos combates”. Aliás, ali é descrito com uma síntese invejável o conflito que resistiu 74 longos dias. Em vista disso, o autor elaborou uma cronologia das batalhas que iniciava no dia dois de abril de 1982 e findava no dia 14 de junho do mesmo ano. Disse-nos com muita propriedade o acadêmico de letras, doutor Manoel Hygino dos Santos, que “o livro de Zuba é uma excelente contribuição ao mais perfeito entendimento de uma guerra sem sentido social e humano”. Esta definição de Hygino é uma sentença final!
Visto isso – neste fascinante memorial o leitor encontrará e repassará para as futuras gerações, a crônica documentada e completa sobre a Guerra das Malvinas. Por outro lado, limito-me a fazer um desafio ao prezado leitor: duvido, duvido muito mesmo que, virando a primeira página não se vá até o fim das narrativas. Ao confrade Jorge Silveira, que certamente será o primeiro que ocupará a fila dos autógrafos no dia do lançamento, o desafio é maior. Pois duvido muito de que ele não se emocionará – chegando ás lágrimas – ao término da leitura deste empolgante livro de memórias.
O lançamento do livro será no dia 13 de abril, no salão nobre do Automóvel Clube de Montes Claros e terá o imprescindível apoio da Academia Montesclarense de Letras e, também, do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros. O livro Malvinas: crônicas de guerra do jornalista montesclarense Fernando Zuba é simplesmente uma obra encantadora!

OS TRÊS HERÓIS DO SERTÃO - José Pereira da Silva Neto



Dário Teixeira Cotrim

Conheci pessoalmente o poeta José Pereira da Silva Neto. O Juca Silva Neto. O Silva Neto, poeta cordelista, e repentista nato na concepção da palavra. Tive poucas oportunidades de vê-lo num recital e muito menos a sorte de compartilhar com ele os momentos mais inusitados da poesia matuta. Lembro-me dele na Associação dos Repentistas e Poetas Populares do Norte de Minas. Ainda tenho dele em minha pequena biblioteca o livreto “Os Três Heróis do Sertão”, uma obra no estilo cordelista que tem a arte natural da poesia matuta e que nos transmite crenças e sabenças. Também este livro nos mostra o que a literatura de cordel de ontem e de hoje tem de melhor. Esta visão avultou ainda melhor nos dois livros seguintes: “JK Peixe-vivo” e “Se o homem tivesse rabo”.
Infelizmente, o Diário de Montes Claros publicava no dia três de agosto de 1983 a triste notícia: “Morte de Juca Poeta surpreende a cidade”. E, na vanguarda dos acontecimentos, quatro vozes num merecido elogio fúnebre fizeram registrar a morte do poeta Juca Silva Neto conforme anotamos a seguir:
Amelina Chaves, mulher extraordinária, amante das coisas simples e que sempre esteve ao lado dos mais humildes, tinha o poeta Juca Silva Neto como uma pessoa especial. Era ele um membro de sua família, um amigo de todas as horas e certamente das horas incertas. Disse ela que o “Juca era estouvado, às vezes agressivo, mas amigo de todas as horas, um matuto autêntico, que apesar de conviver nos grandes meios nunca perdeu as características do sertanejo nato, que ama a sua terra e seus costumes”. Ainda com o apoio carinhoso da acadêmica Amelina Chaves, o poeta Juca Silva Neto publicava os seus poemas na revista Kathedrá, da Academia Juvenil de Letras.
Por sua vez, escreveu a experiente e dinâmica jornalista Raquel Mendonça que “a vida ou a morte brinca de roubar de nós a voz e a inspiração. Desta vez levando um homem simples, matuto, vivaz – puro quanto o povo, mas que não se deixava enganar”. Era, por assim dizer, o lado mais forte do poeta, mas que tinha o coração contaminado pela bondade o que deve ter sido por isso mesmo que no momento mais preciso ele não teve forças de reagir. E foi assim, Silva Neto se despediu dos amigos...
Na seqüência das homenagens encontramos no Jornal de Montes Claros, de 14 de agosto de 1983 o texto: O Silêncio do Verso, de Edson Ferreira Andrade. “Hoje silencia-se o verso. Não há poesia no ar e o repente brota em lágrimas. Perdemos um autodidata da cultura popular. Um aliado da arte da boca do povo. Um cordelista militante. Um poeta... Perdemos, acima de tudo, um ser humano puro, autêntico, bom, bem intencionado e exemplo maior de paixão pela vida”.
Completando o quarteto dos elogios fúnebres sobre a morte de José Pereira da Silva Neto, transcrevemos para cá o que disse o grande historiador montesclarense Haroldo Lívio de Oliveira. “Juca, neto de Juca Jatobá – Juca era um poeta do povo, de ortografia capenga, é verdade, mas, este sintoma de baixa escolaridade não o desqualificou como artista brotado do chão de nossa terra, porque sua arte singela de versejar para as multidões foi reconhecida oficialmente como manifestação legitima da cultura popular”.
Em reconhecimento aos trabalhos literários e artísticos deste grande homem da cultura e do povo foi que a Biblioteca Pública Municipal “Antônio Teixeira de Carvalho” (Doutor Santos) instituiu para os seus usuários o Painel Permanente de Poesias “Juca Silva Neto”. Portanto, todos os trabalhos apresentados neste painel, durante o ano de 2009, serão selecionados para a confecção de uma antologia. A idéia se baseia tão somente na intenção de homenagear o poeta Juca Silva Neto. Na verdade, é o mínimo que podemos fazer para reverenciar o seu nome e, ao mesmo tempo, resgatar a memória deste poeta do povo e colocá-lo no lugar de seu merecimento com todas as honras e glórias.

TEMPESTADE DO AMOR - João Soares da Silva



DÁRIO TEIXEIRA COTRIM

A verdadeira história literária de Montes Claros ainda continua adormecida. È bem verdade. Pois, em virtude de fatos ocorridos na política local durante o início da década de trinta, Montes Claros perdeu um dos mais completos poetas de todos os tempos: João Soares da Silva, conhecido carinhosamente pela alcunha de João Gordo.
O Poeta João Soares da Silva nasceu na cidade de Montes Claros no dia 22 (vinte e dois) de agosto de 1903. Ele era filho de Luiz Gonçalves da Silva e de dona Gabriela Soares Ferreira. Iniciou os seus estudos de primeiras letras no Grupo Escolar Gonçalves Chaves. O menino João Gordo desde muito cedo demonstrava tendências para a literatura (poesias, teatro e literatura de cordel). Gostava muito de ler poemas dos autores românticos, principalmente os poemas de Casimiro de Abreu, Olavo Bilac, Gonçalves Dias e Castro Alves, conforme atestam essas influências nas suas primeiras produções literárias e, em particular, nos seus livros “Cantilenas”, “Auras Matutinas” e “Tempestade de Amor”. Além da vocação literária, o poeta gostava e prestava a sua colaboração nos jornais da época. Em vista disso, contribuiu com forte determinação na fundação de dois pequenos jornais humorísticos da cidade.
João Soares da Silva ainda foi consultor da União Operária e Patriótica de Montes Claros. Era, pois, um homem de visão política, não obstante a isso ele vivia ainda numa fase de pleno amadurecimento. Como escritor não chegou a publicar os seus livros, mas deixou vários deles encadernados com a família. Na Biblioteca Pública Municipal “Antônio Teixeira de Carvalho” (Doutor Santos) existem cinco exemplares de sua importante produção, são eles: “A Flor Desastrada” (Teatro - 1922); “Lúcio, o Filho do Sertão”, romance de costumes sertanejos, produzido no ano de 1922; “Tempestade de Amor” (Poemas – 1922); “Cantilenas” (Poemas – 1923) e “Auras Matutinas” (Poemas – 1923). Ainda consta na bibliografia montes-clarense a existência de outros livros de sua autoria, que são: “Flores do Campo”, “Páginas Sertanejas”, “Flores Murchas”, “Nas asas do Cupido”, “Alvorecer” e “Violas e Cantadores”. O poeta João Soares da Silva morreu no final da noite do dia 6 de fevereiro de 1930, assassinado durante o lendário tiroteio conhecido por “Tocaia dos Bugres”, em frente da residência de dona Tiburtina Alves.
Não é, talvez, muito fácil não gostar de seus textos. Isso implica na forma utilizada pelo autor que explorou com exaustão o soneto clássico e, também, a rima e a aliteração. Noutro aspecto, sem perder de vista a beleza da forma e do conteúdo, mais fácil ainda é viajar na imaginação de seus versos sem nunca deixar de manifestar o sentido humano das suas palavras. Resumindo os seus escritos numa simples análise literária podemos dizer que o poeta João Soares da Silva tinha um futuro promissor como acadêmico de letras, pois as suas obras atestam este fato com muita autenticidade. Morreu o homem, mas não morreu o poeta. Os seus poemas são tudo que hoje existe para imortalizar o nome de João Soares da Silva e que, certamente, um dia será lembrado com justa justiça pelos nobres confrades da nossa augusta Academia Montesclarense de Letras.
Foi nesta ordem de valores que a Secretaria Municipal de Cultura aprovou a escolha de seus livros para inaugurar o pequeno mostruário de obras raras da Biblioteca Pública Municipal “Antônio Teixeira de Carvalho” (Doutor Santos). Portanto, nesta oportunidade a direção da nossa Biblioteca convida a todos para visitarem o Mostruário Permanente de Livros Raros e apreciarem com imenso orgulho as belíssimas obras literárias de João Soares da Silva.

segunda-feira, 8 de junho de 2009

RANCHO SOLITÁRIO - Jason Rodrigues de Moraes


Dário Teixeira Cotrim

Não há quem não goste de ouvir o cantar do berrante (ou corneta de chifre) de Jason Rodrigues de Morais. O poeta da linguagem matuta que PRATA (município de Juramento) deu a Montes Claros, e que já teve a sua consagração com “O Crime do Porta-malas”. É compositor e repentista assim como ele mesmo se define nesta estrofe: “Eu agradeço o pai do céu/ por esta bela inspiração/ por eu ter nascido poeta/ e criado lá no sertão/ compositor e repentista/ para agradar o povão/ e hoje eu vivo na cidade/ com a maior dedicação/ por ter mais oportunidade/ e ter mais capacidade/ pra fazer divulgação”. Jason de Morais, disse a acadêmica Amelina Chaves, é um poeta que nasceu feito, a sua arte é espontânea como o canto do joão-de-barro no sertão agreste. Ele é um operário do repente, um “marroaz” como é chamado pelo poeta Téo Azevedo. O poeta do povão!
Jason Rodrigues de Morais nasceu no dia 23 de julho no município de Juramento. Filho de José (Juca Gomes) Rodrigues Gomes e de dona Maria Rodrigues de Morais. Dentre tantos livros de cordel publicados, destacamos o “Rancho Solitário” por se tratar de uma história de amor, entre os jovens Gabriel e Miguelina, história esta que foi interrompida de forma brusca atendendo a ingratidão reservada aos dois. Ora, pois, a literatura de cordel tem essa característica de relatar tragédias, principalmente nos relatos amorosos. Os versos de Jason de Morais não fogem as regras, ele fala a linguagem do homem do campo, a linguagem que o povo entende a atende. “Entender Jason Rodrigues de Morais, só mesmo lendo seus trabalhos simples, porém de uma profundidade sem tamanho” – disse Josecé Alves dos Santos, e concluiu: “Assim, sendo, uma vez mais vence o poeta, uma vez mais sai vitoriosa a poesia, a única arma que carregam os amantes da paz!”
Não há dúvida, a poesia de Jason de Morais é pura e cristalina, assim como a água de fonte. Ela não tem a obrigatoriedade da redondilha maior – como a versificação de Candido Canela que tanto nos orgulhamos – sem, no entanto, nada prejudicar a notoriedade que enobrece, e muito, a literatura cordelista montes-clarense. Como se vê, a Associação dos Repentistas e Poetas Populares do Norte de Minas guarda em seus umbrais os folhetins dos poetas populares, formando para a posteridade um arquivo histórico e de importância inquestionável, sobre tudo que se produziu em cordel.
Além do livro “Rancho Solitário”, Jason ainda produziu outros excelentes livros do mesmo gênero: “Inspiração de um Poeta”, “Degraus da Vida” – cordel sobre Luiz Tadeu Leite. Além desses, a sua obra prima: “O Crime do Porta-malas”. Neste último livreto, o poeta narra com extrema fidelidade o duplo assassinato dos jovens Fábio Martins e Cláudia Athaíde, crime praticado pelos policiais civis de Montes Claros e que causou muita comoção em toda a sociedade montes-clarense.
História: O nome Literatura de Cordel provém de Portugal e data do século XVII. Esse nome deve-se ao cordel ou barbante em que os livretos ficavam pendurados, em exposição. No Nordeste brasileiro, mantiveram-se o costume e o nome, e os folhetos são expostos à venda pendurados e presos por pregadores de roupa, em barbantes esticados entre duas estacas e fixadas em caixotes.
Portanto, não há quem não goste de ouvir o cantar do berrante (ou corneta de chifre) de Jason Rodrigues de Morais. Embora ele nunca é utilizado para guiar o gado, o seu berrante canta e encanta crianças e adultos. Ah, como é gostoso ouvir o belo som do berrante de Jason, instrumento que é executado com a habilidade de um exímio berranteiro.

GENUÍNO - Márcio Adriano Silva Moraes


Dário Teixeira Cotrim

Genuíno é o livro de estréia do poeta Márcio Adriano Silva Moraes. A sua obra tem escrita solta e simples e é um momento único na literatura montes-clarense com a participação de uma nova geração dos poetas ativos. “Escrever é fácil, difícil é inscrever. Um poema pode nascer mais idoso que seu criador e tornar-se mais jovem com o passar dos dias. O poema está sujeito a intempéries que muitas vezes transformam-no completamente” disse-nos o poeta. Assim é o livro Genuíno de Márcio Adriano, o retrato exato da nova safra de poemas livres e soltos nestes tempos ditos pós-modernos. Portanto, é extraordinário observar a liberdade de sua escrita e, os detalhes presentes em seus versos. Nota-se que em “vaticínio” e “incômodo fisiológico” o autor ultrapassou a linha-limite da (in)tolerância literária, mas nada que pudesse prejudicar a sua obra.
É interessante notar também o gosto do autor pelas formas clássicas que ele utiliza na composição de seus poemas. A leitura quando feita com olhos críticos, há quem a veja indissociável da ironia e do humor. É verdade. Por outro lado, o quadro das Sete Maravilhas do Mundo, composto de belíssimos sonetos, nos dá uma idéia da responsabilidade cultural do autor com os assuntos sérios e de interesse coletivo. A influência poética de tempos passados, garimpados nos livros dos grandes autores, sempre estará presente na escrita de obras pensadas e repensadas como Genuíno. Em razão de nossa afirmativa, encontramos os nomes de Olavo Bilac, Fernando Pessoa, Álvares de Azevedo e Ítalo Battarello o que se explica o esmero do autor na construção de sua bela obra. De igual modo, apresentando o trabalho literário de Genuíno num belíssimo prefácio, o poeta Aroldo Pereira traz à nossa memória a lembrança do poema Canção do Exílio, de Gonçalves Dias, machuchando os versos bem comportados de O Grito do Mito. “Minha terra tem temores,/ Onde o mito está a gritar;/ Os corvos que lá assustam,/ Não assustam, não existem cá./ Nosso céu tem mais tristeza,/ Nossas vilas têm mais medo,/ Nossos lares, mais mentiras,/ Nosso grito, mais tormento./ Ao ficar sozinho, à noite,/ Mais pavor sinto de lá./ Minha terra tem temores,/ Onde o mito está a gritar”. Esse fato que aqui acontece, acontece com todos aqueles que pesquisam muito antes o que desejam para construírem pouco depois o que se quer. É o resultado da leitura que aos poucos vai imiscuindo-se nas obras vindouras à procura de um estilo próprio.
Márcio Adriano não é um desses poetas de gabinete. Esses que empilham montes de papéis e depois os guardam em gavetas condenadas ao esquecimento. Não. Márcio Adriano é, sim, um domador do verbo, um malabarista do verso, um encantador das palavras. O poder de encantar as palavras de Márcio no tempo e no espaço faz-se a dispensa de rimas e da aliteração musical o que se torna a sua poesia muito mais autêntica e muito mais profunda. Aliás, são poetas da nova geração, assim como Márcio Adriano, que fazem os seus versos com ares de dedicado poder de conquista e com a força mágica de um sutil toque de condão. Os poemas do livro Genuíno têm o poder desse encantamento. Certamente que todos aqueles que fizerem a leitura completa dos poemas de Márcio Adriano, farão também uma viagem ao mundo das palavras.
Há neste influente trabalho literário sinais de uma continua renovação da linguagem. Disse-nos o poeta Aroldo Pereira que “desde então Márcio Adriano Silva Moraes torna-se um poeta ativo e presente na cena Norte-Mineira, apresentado seus trabalhos a um público cada vez maior. Utiliza de forma segura e consciente a oralidade para divulgar seus versos e demarcar seu espaço neste território indefinido que a gente chama de poesia”. Viva a poesia... Viva! Márcio Adriano!

FONTE DOS SUSPIROS - Geraldo Freire


Dário Teixeira Cotrim

Revendo os meus preciosos livros, aqueles existentes nas prateleiras destinadas aos autores montes-clarenses, subtrair dali um exemplar que há muito eu desejava ler. Trata-se do livro de poemas intitulado a Fonte dos Suspiros, do poeta Geraldo Freire. E nessa busca incessante da beleza poética é que acabo de fazer a leitura dessa influente obra literária. Pode-se dizer com bastante convicção que se trata de uma belíssima coletânea de poemas românticos e também de outros escritos que reúnem preocupações formais e humanísticas. Este livro é mais uma publicação dos Irmãos PONGETTI – Editores, do Rio de Janeiro, do ano de 1957, ano em que se comemorou o centenário de nossa querida Montes Claros.
Os poemas da Fonte dos Suspiros fizeram me lembrar os poetas brasileiros da fase pós-romântica. Pois nele há um momento oscilante entre o parnasianismo, o simbolismo e até mesmo o modernismo. Portanto, é perfeitamente aceitável esse fascínio dos achados verbais no versejar de suas palavras, uma vez que os poetas procuram em livros de épocas diferentes o entendimento das escolas literárias para edificar os seus conceitos e as suas idéias. É certo que o poeta Geraldo Freire versejou com espantosa versatilidade, e com uma grande riqueza de imaginação. Assim, ele ainda despertou carinho e afeição nos seus confrades da Academia Montesclarense de Letras pelo magnífico trabalho publicado.
Nas reflexões de Folhas Soltas, “as que se perderão, logo, na voragem do vento e na memória dos homens...” conforme palavras do próprio Geraldo Freire, nos seus poemas nós encontramos a sua musa simples e bela, cândida e perfeita, e na evocação do seu estro a eternidade do seu grande amor. Assim como aconteceu com Geraldo Avelar (Asas Quebradas), Olyntho Alves da Silveira (Contos Chorados), José Rametta Santos (Poesias) e tantos outros monstros da nossa literatura, o nosso poeta sobreviveu a um temporal de paixão na razão de gerar pretensões recíprocas ou pelos menos correlatas. Por isso podemos afirmar que a obra de Geraldo Freire é de uma excelsitude que o coloca entre os melhores dos poetas românticos de Montes Claros. Agora nada é mais meritório e oportuno do que a divulgação deste belíssimo livro. Aliás, isso já deveria estar acontecendo há muito mais tempo, nas escolas públicas e nas entidades sociais e culturais, para que possamos preservar na aldeia de nossa existência a memória dos nossos autores. Não duvido da justiça de posteridade, mas ela anda sempre atrasada com os seus deveres de casa.
Geraldo Freire se dizia honrado em colaborar nas homenagens do centenário de Montes Claros. Isto é um fato. Mas, por ocasião desse auspicioso acontecimento – ele ainda afirmava que: “aqui estou com a minha pequena parcela de contribuição”. Sem dúvida que o livro imortaliza o homem. E é por isso que, já passados cinco décadas, nós ainda estamos falando de Geraldo Freire. O poeta se foi, mas o sua obra permanece cá entre nós, sempre viva e atraente e, com ela, a alma do autor a gozar de momentos únicos no seio de nossa comunidade. Na inutilidade do tempo ele veio para viver... depois amar.... para sofrer... depois... morrer!... Pois bem, aqui ele utilizou do linossigno, uma nova unidade compositiva que não obedece mais às regras da versificação. Freire foi também um modernismo.
O livro a Fonte dos Suspiros contem de poemas clássicos o soneto. Forma poética utilizada em exaustão na idade média e propagada até os tempos atuais. Poder-se-ia dizer ainda que Freire soubesse explorar a linguagem simples do seu povo, sem metáforas e sem o ilusionismo da imaginação poética, ele construiu poemas de amor sem silenciar a gula dos que amam. Como já foi dito e repetido, a Fonte dos Suspiros, em última análise, é o enaltecimento que todos os poetas desejam um dia.

FAMÍLIA GUARANI – 50 ANOS DE HISTÓRIA - José Ferreira da Silva


Dário Teixeira Cotrim

O livro Família Guarani – 50 anos de história é um maravilhoso álbum esportivo todo recheado das mais belas recordações esportivas do Guarani Esporte Clube, de Porteirinha. Nele estão inseridas as mais significativas lembranças do esporte amador daquela cidade, sendo que a maioria delas foi vivida pelo seu autor José Ferreira da Silva, apelidado de Pelé de Galdino. Aliás, o escritor da obra, na verdade, promoveu o resgate histórico de uma grande família esportiva, enumerando assim todas as suas realizações com depoimentos fidedignos, fichas técnica dos atletas, torcedores e admiradores. Também consta do seu livro uma belíssima coleção de fotografias em épocas diversas, o que valorizou substancialmente o seu já valoroso trabalho de pesquisa. Em vista disso, o acadêmico de letras Wanderlino Arruda na apresentação da obra de José Ferreira da Silva ressaltou que o livro Família Guarani – 50 anos de história trata-se, com todos os méritos, “de um valioso e importante registro de vida e vivência do futebol norte-mineiro”.

Pois bem, Família Guarani – 50 anos de história não é um livro com características literárias. E nem poderei sê-lo. Até porque o assunto que é tratado aqui – o que requer a paciência de mineiridade no exercício da memorização – demonstra o difícil caminho percorrido por aqueles que prestaram adjutório nas pesquisas de Pelé de Galdino. Por outro lado, os leitores amantes do futebol-de-campo certamente retornarão ao passado quando discorrer as páginas mágicas do livro em busca das mais variadas curiosidades futebolísticas do Guarani Esporte Clube. Por isso, prezado leitor, apraz-me muito poder opinar sobre este belo trabalho de pesquisa histórica que é uma obra onde os causos são passados a limpo com sabores de eternas saudades. Há, também, uma dose excessiva de lembranças em cada página dedilhada ao ritmo da nossa curiosidade. É um belo livro! Repito. É um belo livro que irá encantar todas as camadas sociais da hospitaleira cidade de Porteirinha.
O trabalho magistral de José Ferreira da Silva, pela sua investigação objetiva do que se fez, testemunha uma necessidade de reaver novos critérios para que a história do futebol amador das pequenas cidades seja preservada com o carinho merecido. Assim sendo, com uma precisão invejável, e com minúcia de detalhes e abundância de informações, o popular Pelé de Galdino se imortalizou para os porteirinhenses e, por outro lado, imortalizou o futebol amador da cidade de Porteirinha. Em verdade, isso se evidencia claramente com a publicação do livro Família Guarani – 50 anos de história. Em suma, devemos confessar que não conhecemos outro trabalho sobre o futebol amador norte-mineiro senão os das equipes futebolísticas das grandes cidades brasileiras.
O atleta-escritor José Ferreira da Silva – ou simplesmente Pelé de Galdino – é natural da cidade de Porteirinha. Concluiu o curso de Letras pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Montes Claros – Fafil. Ele é pós-graduado na área de Metodologia pela Faculdade de Claritinas, no Estado de São Paulo. Pegando carona nas palavras de Wanderlino Arruda, que foi o seu professor em tempos de Fafil, registramos o que disse ele sobre o autor do livro: “sinto sua vitória também como minha, ele e eu sempre aprendizes. E tenho certeza de que isso nos faz incrivelmente felizes”.
O lançamento do livro Família Guarani – 50 anos de história aconteceu no Clube Social de Porteirinha com a presença de vários acadêmicos da augusta Academia Montesclarense de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros. Muitos poucos são os escritores que, como José Ferreira da Silva, o Pelé de Galdino, tenham obtidos sucessos perfeitos entre o que fizeram e o que escreverem sobre o que se fez. Quem duvidar poderá conferir. Mas que o faça viajando nas doces lembranças contidas no livro Família Guarani – 50 anos de história.

RELICÁRIO - José Cangussú



Dário Teixeira Cotrim

A minha sina de encontrar livros antigos em meio aos sebos, alegrou-me substancialmente, quando localizei o livro de poesias Relicário do poeta espinosense José Cangussú. Foi um achado precioso, até porque não conhecíamos ainda o autor e nem mesmo a sua obra. Relicário foi editado pela Imprensa Oficial de Minas Gerais (Belo Horizonte), no ano de 1929. O livro traz um belíssimo prefácio do ilustre professor universitário, doutor Alberto Deodato, amigo e admirador do autor. Mas, o elo de amizade de Cangussú, com nomes emblemáticos como Patrício Guerra, Antonino da Silva Neves e Antônio Marcelino das Neves, se compõe e fortalece na superexposição do seu prestígio literário perante os acadêmicos norte-mineiros e baianos.
É interessante assinalar que os poemas, principalmente os últimos sonetos do livro, são carregados do sentimento da perda. As dores de não ter mais a presença das pessoas amadas no seu dia a dia, talvez venham justificar os lamentos poéticos do autor que confessa entristecido: “... é bem um relicário e nele guardo religiosamente as saudades do passado e as magoas do presente”. Não obstante a tristeza que invade a alma do poeta, os poemas trazem no seu bojo a fé e a esperança de paz para os dias vindouros. E, ao meu juízo, o livro Relicário alcançou o seu desiderato. Por outro lado, a textualização dos poemas e o estilo literário com forte adjetivação da escrita são bastante heterogêneos, predominando por sua vez a linguagem de versos simples com palavras comuns. A beleza da poesia de José Cangussú encontra-se no dilúculo a que se reporta.
Relicário é uma obra clássica, pois traz uma seleção de sonetos em perfeita sintonia com as regras gramaticais. Relicário é um livro bom, pois “... quando o leitor o lê, como eu o li, com os olhos e o coração não deixará de aplaudir o livro sentido e escrito naqueles remotos sertões, a duzentas léguas do litoral. A minha opinião em assuntos de arte é a de que o que comove é bom e o que não comove é mau. Os seus versos me deram as mais variadas emoções. Logo, eles são bons”. Mas, também, Relicário é um livro triste e doloroso, pois num curtíssimo espaço de tempo o poeta viu falecer as suas filhas Ofélia e Cordélia. Morreram de sarampo, em Espinosa, no mês de dezembro de 1928. Portanto diz o poeta: Dar-me-ia por feliz, talvez, caro leitor, se fosse compreendida a minha grande dor.
Na parte do livro Penumbras, percebemos nitidamente a influência salutar dos poemas de Castro Alves. Em Dilúculos alguns traços de grande Gonçalves Dias. E, em Poentes, a forte presença do romântico Casimiro de Abreu. Tudo isso já é o bastante para entendermos o quanto de intimidade tinha o poeta José Cangussú com os livros de poesias. Escrevia versos porque lia muito os versos dos confrades.
Os versos do livro Relicário, curiosamente, permanecem inéditos e insólitos. O grande público ainda não tem conhecimento de sua dolorosa obra, nem mesmo os espinosenses mais curiosos dela têm ou teve conhecimento. A Academia Montes-clarense de Letras saberá valorizar o trabalho literário deste grande poeta. A cidade de Espinosa também terá motivos de sobra para eternizar o dia 18 de maio, quando toda sociedade se unirá para comemorar os cento e sete anos do nascimento do seu poeta maior. Parabéns Espinosa!

CORPUS - Denise Magalhães



Dário Teixeira Cotrim

Com o advento do Consórcio Literário “Oficina das Letras” nós buscamos nas prateleiras os livros editados nos anos de 1993 a 1996, e encontramos o belíssimo livro CORPUS, de Denise Magalhães. Naquela oportunidade eu dizia que os seus versos me prenderam muito a atenção. Que eu viajei desde as fantasias do poema I (onde senti participante de uma conversa entre amigos que se juntam para relembrar dos tempos de meninice), até as frases sedutoras envolvendo a gente num clima de rara intimidade.
Hoje, relendo o livro de Denise Magalhães posso dizer que ele ainda é e será sempre contido de fortes emoções. Tem palavras simples que fala diretamente ao coração, sem mistérios, sem preconceitos e que voa como uma lânguida libélula. Em verdade Denise Magalhães é uma poetisa do fecundo amor. Não sabemos por que parou de escrever. Ela é sócia fundadora do Consórcio Literário “Oficina das Letras”, de onde publicou o seu belíssimo livro CORPUS com 40 poemas. Além do talento literário o seu livro nos encanta pela beleza dos versos livres e sem regras definidas, mas que definem o amor na sua amplitude.
Um momento de saudosismo nós encontramos no poema XXXIX que se inicia dizendo: “Estas pedras deitadas/ como bois adormecidos/ de minha terra!/ deixaram-me melancolicamente/ com saudade de ti, Minas”. Assim é a poetisa Denise Magalhães. Assim são os seus belos poemas. A concisão, a límpida concisão dos seus poemas fica sempre mais bela aos olhos da inteligência e do coração. A sua estilística é cheia de semitons e de imprevistos encantadores, que faz de sua obra um belíssimo cartão de visita para o amor de caminhos indefinidos. É assim porque a escrita de Denise contém a elegância e o domínio adamantino das palavras.
Outro aspecto interessante da obra de Denise Magalhães é o trabalho artístico de Márcio Leite na concepção da capa. O desenho retrata com fidelidade a escrita. Leite encontrou a espiritualidade nos seus traços, os que embelezam e valorizam a obra literária de nossa confreira. Não fez, de resto, uma simples pintura para a capa de um livro qualquer. Há no desenho de Leite o frescor de vivificantes seivas as que ficam impregnadas no corpo de uma mulher. Era tudo o que Denise desejava e muito mais os seus leitores.
Por outro lado, é verdadeiramente admirável que uma escritora, vivendo no anonimato das academias de letras e peada por toda sorte de dificuldades, produza com isenção de qualquer natureza um maravilho livro com o CORPUS. Pois aqui está a sua alma e o estímulo de viver. Pois aqui está o seu coração e a sua essência de amar. Pois aqui estão: talento, criatividade e inteligência.
A guisa de ilustração, transcrevemos da orelha da quarta capa o que disse o jornalista Luis Carlos Novaes (Peré) sobre a escrita de Denise Magalhães: “O céu parece favorável ao oxigênio, às cores e aos sabores dos poemas de Denise. Neste pedaço do infinito ela faz relatos de amor (sua maior fonte de criatividade). Em CORPUS, mostra que não necessita de uma rosa para acariciar, nem ser estrela do céu para ser notada”. Foi nas palavras de Peré que encontramos a melhor definição para a poesia de Denise Magalhães.
Agora, com a volta do Consórcio Literário “Oficina das Letras”, seria de bom alvitre, também, a volta dos escritores do primeiro momento. O consórcio não é, e creio que nunca chegará a ser, o único meio para se publicar livros, mas certamente que ajuda muito, criando condições e oportunidades para todos. Portanto, volta Denise!

AS MANGUEIRAS DE DONA ZEZÉ - Pedro de Oliveira


Dário Teixeira Cotrim

O que mais nos agrada em elaborar crônicas literárias é, sem sombra de dúvidas, o prazer de uma boa leitura. Agora mesmo, estamos novamente lendo mais um livro de belíssimos poemas e de excelentes crônicas. É mais um livro do acadêmico Pedro de Oliveira que retrata com a máxima fidelidade dos fatos, as reminiscências d’As Mangueiras de Dona Zezé. Em estado de emoção lúdica, ou em nível edênico, a escrita solta, livre e lépida de Pedro de Oliveira tem o poder de transportar o leitor, não para um futuro promissor como assim desejaria o distinto leitor, mas para a época pretérita de cada leitor no seu espaço temporário. As reminiscências são um acinte, sobretudo se a elas se aliam à saudade oriunda das boas lembranças. Vale reportar, ainda, o que disse o autor neste seu livro, ao afirmar que “há quanto tempo que passou.../ eu ainda era criança/ tempos idos/ de minha infância...” ou “Nos meus tempos de criança/ era um garoto de pouca fé/ mas perdia a estribeira/ por uma manga no pé” ou, ainda, “Tempos idos de minha infância/ e de tantos jovens da Palma/ que hoje guardam na lembrança/ bons tempos de uma cidade calma”. Ora, o tempo melhor que temos na vida é sempre o tempo perdido.
De qualquer forma, a saudade absoluta existe para ser violada, superada e conquistada nos seus limites de (in)tolerância. Somente sobrevive por assim dizer se não a procuramos num reencontro das lembranças. Disse Catulo da Paixão Cearense, no seu poema Flor da Noite, que “tudo passa neste mundo só a saudade é que fica”. Portanto, o que faz o nosso poeta Pedro de Oliveira é alimentar as saudades que ficaram com as suas crônicas e os seus poemas. Assim ele faz porque assim é mais gostoso de escrever. O recordar d’As Mangueiras de Dona Zezé, do velho educandário “Paulo Ferreira”, da fábrica de pinga Sanguinette, do Gran Circo Sul Americano, da roça de Seu Zezinho e de tantas outras situações e ocasiões do tempo de meninice é o que mais importa, pois, somente se sobrevive por um período medido por um instante, ou por um momento e nada mais.
Todas as lembranças do livro As Mangueiras de Dona Zezé podem ser alegóricas. Aliás, relembrar causos e/ou contar causos é o mesmo que incentivar uma ação fictícia incrustada na memória de quem assim o faz. Pois bem, quem conta um conto aumenta um ponto. Entretanto, com a facilidade que tem o autor em construir versos e crônicas, as eventuais falhas de lembranças nunca lhe serão creditadas para macular a sua obra, uma vez que a superação dos fatos contados e recontados justifica a sua escrita. Mas, para quem aprecia, preferencialmente, a utopia lírica e a prosa moderna, experiências formais de um conteúdo literário da contemporaneidade, certamente saberá viver, reviver e conviver com os momentos mais sublimes da escrita de Pedro de Oliveira.
A viagem no tempo não pára por aí. As tradições e os costumes agora estão presentes no animadíssimo carnaval do Clube Social de Várzea da Palma; nas festas juninas organizadas por dona Conceição de Ávila no grupo escolar, com barraquinhas e pau-de-sebo; no natal em família, um raro momento de oração e fé. Não é mais tempos de terra árida e tórrida. O fenômeno da seca é tratado com as conseqüências humanas e sociais dele advindos, mas agora a terra está molhada. Por isso o livro As Mangueira de Dona Zezé, do acadêmico Pedro de Oliveira, darão bons frutos. Pelas emoções contidas nas letras poéticas de Pedro de Oliveira, o livro As Mangueiras de Dona Zezé sabe cumprir a sina de fazer criar o hábito da leitura nos mais jovens, convidando-os para o vôo dos sonhos ao som do seu canto de amor e saudade à infância perdida.

ARCHOTE DA VERDADE - Orlando Ferreira Lima


Dário Teixeira Cotrim

Este é o Archote da Verdade, o livro de belos poemas do saudoso poeta Orlando Ferreira Lima. Não sei a data precisa, mas o ano era o de 68, quando o poeta conversava animadamente com o meu tio-patrão Isaias Manoel Cotrim, no balcão do seu Armazém Itapuã, com alguns livros debaixo do braço e, o que me chamou muito a atenção. Ora, curioso como sempre, eu quis saber que livros eram aqueles e deles do que se tratava. Incontinente, perguntei-lhe interrompendo-o do amistoso bate-papo com o meu tio-patrão, mostrando-lhe o meu interesse por livros ainda na minha verde idade. O poeta surpreso, elegantemente, presenteou-me com um exemplar de sua obra. Era o livro Archote da Verdade. Entretanto, não imaginava eu, naquele ditoso momento, que um dia estaria fazendo parte de sua plêiade de acadêmicos. Pois, o intelectual Orlando era membro efetivo da augusta Academia Montesclarense de Letras e também o seu atual presidente.
De posse, li e reli várias vezes o seu livro de poesia. Foi assim porque a poesia de Orlando a gente lê sempre e tem sempre vontade de ler outra vez. O mais fantástico neste livro é o amor que o poeta nutria pela cidade de Montes Claros. Pode-se afirmar, quarenta e poucos anos depois, esse amor incontido nos seus versos que tiveram a análise de seus confrades, e ainda hoje soam como uma declaração de amor. Como sabemos, o poeta Orlando era natural da cidade baiana de Caravelas e já residia por aqui há alguns anos. Em nossas raízes – pois sou baiano também – está depositada tudo o que nos traz lembranças. Por essa razão entendemos que os poemas de Archote da Verdade foram escritos muito mais para o coração do que para os olhos. Ora, esse sentimento do amor pátrio é que, de começo, se pode notar na sua poesia.
Desta vez, fazendo uma leitura mais minuciosa de sua produção literária, notamos que a poesia do acadêmico Orlando Ferreira Lima é a expressão telúrica do meio ambiente em que ele sempre viveu. Ao afirmar-se que tenha nascido numa terra bem distante ele provoca a sua bela ‘Caravelas’ em doces recordações. Mas, por outro lado, no seu poema “Ode ao centenário de Montes Claros” afirmava que aqui era a verdadeira senda da grandeza: “Dos escombros de uma era tenebrosa/ vai surgir a nova Montes Claros/ não há força que impeça esta radiosa/ resolução de homens tão preclaros...” (Metamorfose - 1967).
Nada mais justo do que transcrever para cá as impressões dos apresentadores da obra de Orlando. Por que assim? Porque assim será preciso, haja vista a qualidade literária inquestionável dos prefaciadores: Cândido Canela por sua vez disse-nos que Orlando “é esse poeta que, em poucas páginas, consegue sensibilizar o leitor, ante a vibração de sua poesia, ora brusca, ora bárbara até, ora lírica e provocante”. Por outro lado, o cônego Joaquim Macedo abria caminho, portas e passagens em tudo: “aproveitem os leitores estas folhas d’oiro, archotes a esparzirem luz para que se encontre a verdade, quando trevas ofuscam a inteligência”. Finalizando a tríade antelóquio do livro Archote da Verdade, o acadêmico João Valle Maurício limitava-se a dizer: “aqui está o livro de poesia de Orlando Ferreira Lima. Percorri, calma e atentamente, suas páginas, pensadamente, silenciosamente, e emocionou-me profundamente”.
O poeta Orlando Ferreira Lima nasceu em Caravelas – Bahia. Era filho de Teotônio Ferreira Lima e de dona Leopoldina Matos Lima. Seu nascimento data do dia primeiro de novembro de 1915. Ele era sócio fundador da Academia Montesclarense de Letras e ocupava a Cadeira N. 9 que tem como patrono o baiano de Macaúbas, doutor Urbino de Souza Vianna. Ainda no campo das coincidências, a escritora Zoraide Guerra David, que é baiana de Mortugaba, é a atual ocupante desta cadeira. Para os poemas de Archote da verdade uma fantasia-poética é certa, mas que se impõe a nós com tamanha força de sentimento que os leitores com ela sonham e para ela vivem.

A POESIA DE ZULMA - Zulma Antunes Pereira


Dário Teixeira Cotrim

Zulma Antunes Pereira era poetisa e escreveu poemas. Lindos poemas! Poemas que nasceram de num momento único, em que a juventude procurava libertar-se dos (pre)conceitos contidos na linguagem de uma época. Era assim porque, também havia a insatisfação gratuita dos jovens escritores com as regras literárias. Enquanto Zulma poetizava no aconchego do seu doce lar, o mundo lá fora gritava por liberdade. Era um movimento – o movimento hippie – que se iniciava no velho mundo trazendo a rebeldia arraigada nos sonhos dos moços o que durariam mais de duas décadas de Amor e Paz!
Furtivamente, assim como queria a autora, a sua poesia também revelava a existência de um descontentamento social do nosso povo, o que resultou na rebeldia bem comportada de uma linda jovem aristocrata. Dizia ela que, “de madrugada irei/ irei amanhã à praia/ sentir o frescor da brisa (...) fincarei meus pés descalços/ olharei longe o horizonte/ com os olhos no encalço/ de um barco distante...”. Sempre foi uma característica dos poetas românticos ismicuir-se na natureza para, depois, depositar nela as suas angústias e as suas dores, vejamos: “um dia eu vou chorar/ e afogar toda mágoa/ do coração”. Do mesmo modo, a presença do belo não poderia deixar de ser apreciado com tanto entusiasmo e com a mágica inspiração dessa esteta da poesia montes-clarense. A coletânea Poesias, publicada no livro Ventos de Agosto, de Edgar Antunes Pereira, retrata muito bem todas essas características nos poemas da saudosa Zulma Antunes Pereira.
Nota-se, contudo, que Zulma, em seus poemas, não desprezava inteiramente a rima, e quando isso acontecia o elemento aliteração tornava-se muito mais presente nas suas formas. È, pois, assim que se percebe a distância que existe entre a sua poesia e os versos livres dos irrequietos poetas populares da época. Das mais incisivas qualidades do seu verso é o ar primaveril que lhe dá maior consistência. Isso acontece porque a influência de Casimiro de Abreu sempre esteve presente na sua escrita.
Da necessidade de escrever é que nasce com o tempo e com o nervosismo do verdor dos anos a poesia romântica de Zulma. Assim ela afirmava categoricamente que “de mãos dadas/ calados caminhavam/ por nós... falavam nossos olhos”. Não obstante a tudo isso, o recado contundente no seu belíssimo triolé Pequena História revela a outra face de sua poesia: “Era uma vez um homem,/ que quis brincar de maldade/ foi-se embora e deixou chorando/ a felicidade./ Um dia cansado, voltou/ mas só encontrou a saudade/ pobre homem, neste dia/ foi ele quem chorou...”. Outrossim, na construção de seus versos nós encontramos o enjambement, uma modalidade poética muito usada na nossa poesia contemporânea. “Nasce, vive, luta, sofre/ o homem, fascinante criatura”.
Li os belos poemas de Zulma num momento de doce felicidade! Foi então, neste instante, que essa poesia aparentemente desconhecida, aproximou-se sem alarde, trazendo-me a beleza da língua em cada verso escrito. A poesia de Zulma é livre como livre são os pássaros; é bela como bela são as flores, é inocente como insontes são as borboletas que ziguezagueantes ganham distância sem fim. Ela é também uma poesia cristã, pois ela é como o deve ser, uma poesia de muita fé e esperança! Disse-nos o poeta Felix Pacheco que “sem fé, não há pureza, o peito diz-mo, e, sem pureza e fé, o mais é vão...”. Zulma foi, certamente, na mais legítima acepção da palavra, uma poetisa completa, deixando uma coletânea de poemas, cheia de ternura e de beleza!

A MEDICINA DOS MÉDICOS E A OUTRA - Hermes de Paula

Dário Teixeira Cotrim

O historiador e folclorista Hermes de Paula, autor de Montes Claros, sua história, sua gente e seus costumes, uma das obras mais completa sobre a história de Montes Claros, uma vez se interessou pelos estudos do folclore montesclarense. Foi o bastante para que Montes Claros pudesse ser cognominado como sendo a “cidade da arte e da cultura”. O trabalho literário de Hermes de Paula inclui ainda outros livros: “Caderno de Modinhas”, “A medicina dos médicos e a outra”, “Sesquicentenário da Câmara Municipal de Montes Claros” e “Do padre Chaves ao padre Dudu” que teve o título provisório de “Sesquicentenário da Paróquia de Nossa Senhora e São José”. Além dos seus livros, vários folhetos foram publicados com notícias sobre o folclore da cidade. Aliás, Hermes de Paula respirava o encantamento das histórias e das lendas que ainda habitam o fantástico folclore de Montes Claros.
No ano do centenário do seu nascimento (2009), a sociedade e as entidades literárias – as Academias de Letras e o Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros – já estão se movimentando para avivar a memória deste ilustre homem das letras na história popular da cidade. É nosso objetivo falar de suas obras. Em vista disso buscamos o livro “A medicina dos médicos e a outra”, obra publicada no ano de 1982, pela Imprensa Universitária de Belo Horizonte. O autor e médico, Dr. Hermes Augusto de Paula, era filho de Basílio de Paula Ferreira e de dona Joaquina Mendonça de Paula. Ele foi casado com dona Josefina de Abreu Paula, nasceu na cidade de Montes Claros no dia 6 de dezembro de 1909, diplomando-se em medicina na Universidade Federal de Minas Gerais, no dia 19 de dezembro de 1939.
O livro “A medicina dos médicos e a outra” traz na primeira parte uma antologia sobre os médicos de Montes Claros, com pequena biografia sobre cada um deles. Na segunda parte, o autor fala da outra medicina, aquela em época anterior aos médicos. Destacando-se Os receituários, Boticários, Parteiras, Curandeiros, Rezas e Benzeduras. Na verdade, quis o autor, tão somente, falar das nossas tradições e dos nossos costumes. As pesquisas de Hermes de Paula sobre esses assuntos deram-lhe matérias suficientes para os seus livros e a formação do Grupo de Seresta “João Chaves”.
No prefácio do livro, escrito por João Amílcar Salgado, encontramos os seguintes dizeres: “Assim, nada tão apropriado como o Centro de Memória editar um livro que se trata da medicina dos médicos e a outra, ainda mais se se referem à região norte de Minas, onde o mesmo processo curricular foi localizar seu internato rural. Outra propriedade desta edição consiste em ela ser a segundo do Centro de memória, seguindo ao estudo de Savassi Rocha sobre Guimarães Rosa, ex-aluno desta faculdade que prenunciou o internato rural na tematização, inclusive de saúde, deste mesmo grande sertão e suas veredas”. Em vez de recorrer a citações de autores famosos, o autor buscou uma homenagem simples e oportuna. “Nesta página, a homenagem do autor a todos aqueles que, por atos, palavras ou pensamentos, tem praticados, praticam ou praticarão através dos tempos, a ciência e a arte de curar as doenças ou minorar os sofrimentos”.
Na última página do livro o autor registra o seu preito de admiração e de respeito aos seus colegas das cidades vizinhas. Na lista de quase duas dezenas de nomes encontramos o de Gil Alves, de Bocaiúva, médico dedicado e pessoa humana de valor inquestionável. O saudoso doutor Gil Alves foi o meu companheiro de Rotary Clube de Bocaiúva, de quem eu ainda cultuo as inesquecíveis lembranças.
Morreu Hermes de Paula no dia 10 de junho de 1983 e o seu nome penetrou na galeria dos que sempre e bem souberam servir à humanidade.

A FAMÍLIA MACHADO - José Gomes Machado

Dário Teixeira Cotrim

No mundo literário são muitos poucos os que se preocupam em escrever genealogias. Aprendemos que a genealogia é a busca de informações e subseqüente montagem das quatro árvores de costados de uma família, com nomes, datas e lugares de origens dos mais remotos ascendentes para mantê-los vivos na memória dos atuais descendentes. De tudo que fizemos, a genealogia continua sendo o principal motivo das pesquisas que realizamos durante todo esse tempo. Não foi por acaso que herdamos do nosso avô materno – Domingos Antônio Teixeira – esse gosto pela escrita. Aliás, toda a nossa história de família ele nos deixou registrado e cabe-nos agora, apenas complementá-la e conservá-la para a posteridade.
Algum tempo atrás conhecemos o notável humanista José Gomes Machado. Ele havia escrito, com muita competência, o livro A Família Machado, sua origem, sua história e outras histórias, que é um magnífico repositório de documentos e de estudos interessantíssimos sobre a sua descendência e a origem de sua terra natal. Não houve ainda a publicação oficial de sua obra, o que certamente os seus familiares já devem estar providenciando. Mas, mesmo assim recebemos com alegria e elevado entusiasmo um exemplar encadernado e autografado pelo autor na data de 16 de setembro de 2006. Muito nos impressionou o seu cuidado, a sua dedicação e a sua paciência em formalizar textos explicativos, os sumários de assuntos e os índices de nomes, datas e de outras informações não menos importantes para o que interessa a sua obra. Há, todavia, um motivo muito forte para justificar tanto esforço e tamanha determinação de José Gomes Machado em sua nobre empreitada: o de preservar a memória de seu povo e a belíssima história de sua querida terra.
O trabalho genealógico do ilustre acadêmico José Gomes Machado, embora modesto e despretensioso, é um apanhado de nomes, datas e lugares, todos garimpados em arquivos públicos e depoimentos orais, o que pode conter erros, mas certamente ele espelha com fidelidade a montagem familiar dos Machados de São João do Bonito, município de Mato Verde/MG, nos seus respectivos costados. É o próprio autor que esclarece que “muitas vezes já ouvi dizer como é bom falar bem, fazer elogio de um amigo. É verdade: dos amigos fala-se de coração aberto e sem nenhum disfarce, sem interesse e, então, as palavras saem sinceras, transformadas em ouro puro, que não se liga com esse metal barato e vil da adulação”. Enfim, é tudo o quanto se possa desejar para tornar atraente e agradável a leitura desse livro sobre a genealogia dos Machados.
Pesquisando em livros, encontramos a seguinte anotação de João Camilo de Oliveira Torres sobre os estudos da genealogia. Diz ele que “um falso igualitarismo tornou ridículos estes estudos entre nós, como se a única utilidade da genealogia fosse provar fidalguias”. Pode ser. Mas, sabemos que não é, porque há outros interesses nesses estudos muito mais importantes do que provar fidalguias.
É interessante notar que em Montes Claros são raros os escritores que se iniciam na produção de livros genealógicos. Encontramos nas obras de Nelson Viana e Hermes de Paula alguns rabiscos sobre este tema. Também o escritor Dário Cardoso Vale, escreveu Memória Histórica de Prados, quando dedicou parte do seu trabalho à pesquisa genealógica. Todavia, Os Antepassados, um livro de autoria de Pedro Maciel Vidigal é considerado uma obra completa sobre o assunto. Em síntese, o livro A Família Machado sua origem, sua história e outras histórias, de José Gomes Machado, é uma obra de valor inquestionável para os estudos genealógicos das famílias norte-mineira. Resta-nos agora, com inquieta ansiedade, aguardar a publicação desta obra para melhor proveito das informações nos estudos escolares e nas pesquisas pessoais. O Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros criou a Cadeira 63 em homenagem a José Gomes Machado, que é ocupada pelo acadêmico Pedro de Oliveira de Várzea da Palma.

A DOCE FILHA DO JUIZ - Alberto Deodato

Dário Teixeira Cotrim

Terminei a leitura do livro “A Doce Filha do Juiz”, de Alberto Deodato. Um belíssimo romance que trata com minudência os costumes e as tradições do povo sertanejo. Não obstante a existência da vila de São José do Gorutuba, a dramatização aconteceu na imaginária cidade de Gorutuba (acredita-se ser a cidade de Rio Pardo de Minas), no século passado, quando o autor era Promotor de Justiça na comarca daquela cidade. No livro ele cita o rio Preto, informando-nos que o mesmo corre paralelo a uma ruazinha da cidade onde os tropeiros arranchavam-se para o descanso das longas viagens. Ali os tropeiros falavam dos causos acontecidos nas veredas do grande sertão de João Guimarães Rosa. Falavam “das assombrações do Urucuya, do phantasma da cruz do Ribeirão, das sezões do Jequitahy e da tentação da cabocla brejeira que mora no Rancho, á beira de um riacho, p’ra lá da ponte velha, cujos olhos pretos pegam que nem visgo e os beijos sabem a sapoti”. Então, não seria o famoso Rancho da Lua aqui mesmo no Brejo das Almas? Não. Não sei!
Dr. Alberto Deodato Maria Barreto nasceu no ano de 1896, em Maroim, Estado de Sergipe. Formou-se em Direito pela Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais do Rio de Janeiro, em 1919. Foi promotor de Justiça na cidade de Pouso Alto e, também, na centenária cidade de Rio Pardo de Minas. Publicou, entre outros, os seguintes livros: "Senzalas" (contos - 1919); "Canaviais" (contos - 1921) e a "Doce Filha do Juiz" (romance - 1929). O seu livro "Canaviais” recebeu o primeiro prêmio da Academia Brasileira de Letras e o romance “A Doce Filha do Juiz”, também mereceu uma menção honrosa da mesma Academia de Letras. Também publicou três peças para o teatro: “Flor Tapuia” (opereta-1919), “A Pensão de Nicota” (comédia-1920) e “Um Bacharel em Apuros” (comédia-1924).
Repito, é um belíssimo romance o livro “A Doce Filha do Juiz”. Descreve o autor a história da jovem Maria Helena que tinha “no jambo das faces, na jaboticaba dos olhos e na pitanga da boca”. Além do mais a formosura do corpo junta-lhe a beleza da alma. Lembra-nos a descrição do ilustre acadêmico José de Alencar sobre a sua doce e bela Iracema, “a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa da graúna e mais longos que seu talhe de palmeira”. Esta visão de Alberto Deodato em valorizar os encantos da mulher e com pinceladas sobre as inspirações telúricas nos ambientes humílimos, avultou ainda mais os seus conhecimentos sobre a região norte-mineira, mostrando-nos e, também para alhures, o que há de melhor na literatura regionalista mineira. Não lhe bastasse fantasiar nomes de pessoas e de lugares para que ficasse no anonimato o drama amoroso da bela Maria Helena com o jovem João Lúcio. Foi por isso mesmo que o autor procurou fazer uma adaptação da linguagem ao tema, com descrições aos aspectos da vida real dos demais personagens, e sem prejuízo aos fatos que rodeiam a essência da história.
O povo de Rio Pardo de Minas – ou da imaginária Gorutuba do poeta – tem um carinho muito especial por Alberto Deodato. Residimos por mais de quatro anos naquela encantadora cidade, oportunidade que tivemos de ouvir dos mais velhos as histórias emocionantes dos bons tempos que o doutor Deodato esteve ali como Promotor de Justiça. Mais de uma vez o confrade do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros, o doutor Paulo Costa nos contava, embevecido de orgulho, essa empolgante história de amor. De outras vezes, ouvimos com atenção redobrada do ilustre cônego Newton Caetano d’Ângelis essa mesma história de amor. Ora, certamente que há um suave e doce mistério em tudo isso. Ainda fazem parte de sua bibliografia os seguintes livros: “Manual de Ciências das Finanças” e “Políticos e outros bichos domésticos” que são duas excelentes obras do autor de grande sucesso nos meios acadêmicos. Finalizando, expresso aqui o que disse o mestre Deodato e repetido pelo historiador doutor Simeão Ribeiro Pires: “O Brasil é um Gorutuba muito grande...”.

LEMBRETES MATERNAIS - Maria Celestina de Almeida


DÁRIO TEIXEIRA COTRIM

Foi lançado no dia 08, neste domingo próximo passado, no Centro Cultural Hermes de Paula, o belíssimo livro de poesias intitulado Lembretes Maternais, da nossa confreira Maria Celestina Almeida, com a presença de autoridades, familiares e uma gama considerável de amigos.
O evento fez parte da programação do 20º Salão Nacional de Poesia – Psiu Poético e teve o apoio da Academia Montesclarense de Letras (Comemorando o seu 40º aniversário) e da Secretaria Municipal de Cultura de Montes Claros. Este é o segundo livro da autora. Conforme palavras de Maria Elizabeth Rocha Mendes que dar a conhecer os motivos que levaram a autora escrever o livro, disse que “a grandeza dos sentimentos de uma mãe se transformou em poesia melodiosa, bela na essência das suas criações, dedicando Lembretes Maternais aos filhos que gerou”. O tema central do livro é o ensinamento dos bons costumes através da poesia. Lembretes Maternais é um momento raro que temos em dialogar com os nossos filhos e netos, munido com uma alta dose de otimismo. Como bem disse em nota preliminar a autora: “as estrofes simples aqui publicadas têm a intenção de possibilitar ao leitor a sua interpretação e ao seu bel-prazer considerá-las”.
Os momentos deste livro são as inúmeras trovas mágicas que submergem no mundo ético-moral de uma educação-familiar destroçada e dentro dessa mesma educação-familiar é que encontramos a nossa realidade, mais dura e cruel, impossível de ser tocada por uma varinha mágica, mas temente às doces palavras da ilustre acadêmica Maria Celestina Almeida, carregadas de sabedoria e prudência. Portanto, com a leitura do livro Lembretes Maternais, a cada um de nós é dada a oportunidade de retrocedermos ao tempo, num périplo educacional, em que os valores familiares tinham uma importância na formação de nossos filhos. Sem dúvida, a escrita deste livro é uma contribuição simples, porém de valores imensuráveis.
“Quando já forem crescidos/ belos, sadios, garbosos/ lembrem-se, filhos queridos/ meus conselhos carinhosos”. Vejam que há nos versos da acadêmica um discreto perfume indefinível. São versos sadios e puros, de alma encantada que se pode entender como a naturalidade das palavras e principalmente das idéias que impressionam tanto ou mais do que se imagina, julgar a vida apenas como a sente. Maria Celestina Almeida é uma excelente poetiza – poetiza simples, espontânea, encantadora e com uma farta parcela de angelitude. A poesia, quando mostrada com religiosidade, ela não perde, no entanto, o seu contato com a família e nem com a sociedade. “Vinde Senhor!/ Visitai e abençoai esta casa/ afastai dela as ciladas do inimigo/ habitem nela os vossos anjos e santos/ permaneçam, aqui, a vossa benção e a vossa paz/ com a orientação do Divino Espírito Santo/ com quem viveis e reinais/ por todos os séculos, para todo o sempre/ amém”. De qualquer modo ela tem uma forma bela de oração!
O livro Lembretes Maternais para quem quer aprender, para quem gosta de uma boa literatura é um bom começo para desfrutar dos prazeres que a poesia nos proporciona. Plagiando a jovem Maria Elizabeth Rocha Mendes desabafo nas suas palavras com imensa alegria: “Tia Maria, você é uma grande mulher! Com carinho e respeito”. Meus parabéns!

AMOR CIGANO - Ajax Amaral Tolentino

DÁRIO TEIXEIRA COTRIM

Acabei de ler um livro muito interessante. Um livro-romance intitulado Amor Cigano do escritor Ajax Amaral Tolentino. É verdade que a história ali contada tem as suas delimitações no tempo e no espaço. Pois, dentro do mundo próprio dos ciganos a evocação mítica e mística, a situação sagrada e profana condenam a linda jovem zíngara (Maíza) por apaixonar-se de um moço sem vínculo familiar com o seu povo. Era infringir as leis do grupo. A história ora anacrônica, ora castiça do estilo século dezenove lembra-nos um pouco o livro Manoel de Alencar: amores e dores, do professor Aníbal Albuquerque. No ecletismo dos gostos e na visão crítica do autor aquele comovente romance-cigano quase que impossível deveria tornar-se possível para a seqüência dos fatos. O autor atendeu as prerrogativas do livro.
Referindo-se à imagem burlesca do jovem (Alberto) em Amor Cigano percebe-se que a trama criativa do autor envolve o leitor até o último momento da leitura. A linguagem é simples e suave. Não há sequer as apelações do pornografismo para prender a atenção dos mais afoitos. As palavras, quando repetitivas, apenas intuíam a beleza e a maneira de se inventar situações enigmáticas. Entendeu o autor que a convocação das forças da razão suplantaria algumas deficiências no enredo projetado e, por isso, o romance-cigano fora dividido em três partes distintas. A parte que se antepõe à história da família de onde encontramos as suas raízes. A parte outra ou a parte eqüidistante de seus fatos periféricos a que se trata do romance dos dois jovens. Neste ensejo um acontecimento por pequeno que seja na importância ou na forma, é sempre um momento digno de publicidade como o casamento de Alberto e Maíza. E, finalmente, nos últimos capítulos há um bônus que envolve as reais situações do cotidiano e do sentimental, um grande amor vivenciado por Alberto e Maria, as vítimas de atos pérfidos.
Em todo o livro de Tolentino há o estilo inusitado da narração lacônica em busca do tempo para o aprimoramento dos fatos. É o leitor que ganha com isso tudo. Entretanto, o relacionamento amoroso entre o rapaz e a jovem cigana fazia frente com o comportamento da época. Nota-se que, pela sensação da passagem do tempo houve uma acomodação do autor em sintetizar os desejos amorosos dos seus personagens. Nada do amor erótico é explorado ou exibido pelo romanceador. A beleza estonteante da mulher amada é cultuada com um simbolismo respeitoso para não ferir a moral e nem a honra de quem quer que seja. Não obstante a tudo isso “é estória que surpreende e agrada em cheio”, no dizer do competente crítico literário, o acadêmico Reivaldo Canela.
O Amor Cigano é um romance que tem como cenário ora a cidade de Salvador, onde os ciganos acampavam, vez por outra, em lugares incertos, ora a cidade imaginária de Lisboíta. Aqui lembra-nos Lisboa o nome da metrópole (capital) portuguesa. Além de Lisboíta a tradição portuguesa está sempre presente no livro Amor Cigano, são marcas indeléveis nos nomes de “Domingos Português, filho único de Joaquim Luzitano”. Tolentino é discípulo dos romancistas e seu estrênuo e apaixonado admirador. Vê-se que os leu, que os decorou, que os meditou por muito tempo, e que conseguiu consubstanciá-los no seu talento e na sua imaginação. Na galeria encabeçada por Cyro dos Anjos, Corbiniano Aquino e Amelina Chaves, o autor de Amor Cigano tem cadeira cativa.
Prosseguindo a análise dos parágrafos anteriores, na parte final do livro, o trama policialesco que nasce de um acaso e vai se encontrar com as conseqüências mais desastrosas possíveis, o humor da farsa não é sequer lembrado pelo autor. Pelo enfoque perturbador dos personagens, que não aparece nunca com a realidade momentânea, dir-se-ia que este livro seria cansativo nas suas exposições romanceadas. Mas não o é e, por outro lado, a obra de Tolentino está repleta de novos ensinamentos e virtudes. A principal delas é o conhecimento dos costumes ciganos. Há uma seqüência interessante sobre isto o que culmina na morte (quase um extermínio total) de Olavo e de muitos de seus parentes na humilde cabilda de então. Vem a ponto o dizer-lhes que já tive eu a pascacice de acreditar na existência de ciganos maus, aqueles que trapaceiam, os velhacos e sovinas. Entretanto, o tema cigano deveria ter sido mais bem explorado, até porque poderia mostrar o lado bom dessa gente viandante, que sem dúvidas existe e não foi propagado.
Disse a jovem Ana Karienina: “quem se der ao prazer de iniciar essa leitura vai se perceber completamente envolvido pela trama, que conquista o leitor a cada capítulo”. Disso eu tenho certeza, pois o li num só fôlego.

EXPERIÊNCIAS DE UMA VIDA - Juvenal Caldeira Durães

DÁRIO TEIXEIRA COTRIM

Revendo os meus livros de memórias que cada dia ocupa mais espaço nas estantes de minha biblioteca fico a pensar na importância que existe em preservar o bem mais caro que ainda existe: a família. Assim, o professor Juvenal Caldeira Durães escreveu com maestria o seu influente livro de memórias: Experiências de uma vida. Contido no desejo de aprofundar estudos genealógicos, vejo neste trabalho do professor Juvenal uma fonte inesgotável de informações a respeito desse assunto. A infância de cada um de nós é sempre um momento jamais esquecido. Mas quando a morte chega, ela leva consigo todas as nossas reminiscências de vida. Por isso é importante o registro dessas reminiscências em livros ou algo que o valha. Porque, assim sendo, a imortalidade ocupa de preservar para os nossos descendentes este importante conceito de sabedoria e de trabalho.
Nesse momento em que a arte televisiva forja a moldura das opiniões e prega as desavenças entre as famílias brasileiras com as suas idiotices, parece não restar outro destino à moralidade das pessoas senão os exemplos de vidas dos mais velhos. É por essa razão que congratulamos com o eminente professor Juvenal pela sua brilhante obra apresentada à sociedade montes-clarense. Aqui, as experiências de uma vida são experiências de muitas vidas. É assim que o leitor vê desenrolar nas páginas deste alentado volume, uma bem documentada narrativa na qual são abordados, sistematicamente, os seguintes temas: a infância, a adolescência, a maturidade e finalmente a terceira idade. Ou, melhor dizendo: a melhor idade.
Escrever um livro não se trata de loucura e nem de estultice, mas de um desejo incontido no peito da gente e que um dia desperta do coração para explodir no mundo da eternidade. As memórias escritas livros e opúsculos não necessitam de regras literárias e nem tampouco de intervenções de seus críticos mais afoitos. As memórias escritas são como poemas que vagam nas vagas do aleatório sem o compromisso das métricas e nem o das rimas. As memórias escritas nascem e vivem livres e livres perpetuam no tempo. O próprio autor desabafa dizendo: “por mais que eu resistisse, não tive como deixar de escrevê-las, para minha satisfação interior e para a apreciação e meditação de minha posteridade”.
A sedução da infância, o entusiasmo da adolescência, a afirmação da maturidade e o saudosismo da senilidade formam as experiências de uma vida. Neste contexto o livro de memórias do professor Juvenal Caldeira Durães passa agora a fazer parte dos livros reflexivos das boas bibliotecas. Ele constitui o propósito de abarcar temas que interessam a todos os montes-clarenses, sempre na perspectiva das experiências de uma vida.
Por todas essas razões, constituem motivos de regozijo a publicação da obra Experiências de uma vida, do professor Juvenal Caldeira Durães. Autor de uma extensa e invejável biografia de vida, como educador ele é considerado um grande professor de Matemática, já que dedicou toda a sua vida com proficiência inigualável e com extremado amor na árdua tarefa de ensinar. Aposentado no dia 24 de novembro de 1997, “quando justamente completava quarenta anos de magistério, ocasião em que recebeu inúmeras homenagens e demonstração de carinho e de amizade da comunidade universitária da UNIMONTES”.
Disse Cibele Veloso Milo que “o seu ‘curriculum’ é rico, como é rico o seu coração cheio de bondade; sua alma nobre faz transcender uma aura iluminada, privilégio do Ser que adquiriu, ao longo dos anos, sabedoria de vida”. Por tudo isso o professor Juvenal é um talentoso artista das letras em contar as suas reminiscências com raras habilidades de artesão, mas é, sobretudo, um escritor completo que de futuro abrilhantará as nossas bibliotecas com outros livros. Quiçá, dezenas de novos livros.

REBENTA BOI - Cândido Canela

DÁRIO TEIXEIRA COTRIM

De todos os livros da Coleção Sesquicentenária só me faltava ler a obra do notável escritor Cândido Simões Canela: “Rebenta Boi”. Nem mesmo por isso eu desconhecia o teor dos trabalhos literários deste grande poeta. Todas às vezes, quando leio alguns poemas no linguajar matuto, como aqui é o caso, a emoção extravasa as fronteiras da minha paixão e a paixão as da minha razão. Isto, porque, o costume de apreciar o cordel foi herdado por mim nos livrinhos adquiridos nas bancas das feiras livres do sertão, ainda quando eu era menino de calças-curtas e de pés-descalços.
Certamente que foi a poesia matuta do nosso Cândido Canela, e de tantos outros trovadores do sertão agreste, que trouxe até nós a sabedoria popular dos catrumanos e a beleza inigualável do seu matreiro linguajar. No livro “Rebenta Boi” os registros são confiáveis pela própria natureza dos fatos. Em vista disso podemos afirmar com segurança que os livros de Cândido Canela formam um rico e meritório documento da literatura popular e da música sertaneja de raízes. São neles que estão impregnadas as rusticidades de espírito mais primitivo dos nossos queridos antepassados, quer na vida campesina, quer na vida urbana. O que é muito bom!
A poesia de Cândido Canela tem tudo de saudade, e tem mais — para nós, montes-clarenses, tem a evocação dos rios, o silêncio das noites de lua cheia, o perfume das flores nos laranjais e a essência da vida bucólica, além do sentimentalismo ingênuo e rude que perpetua nos costumes e nas tradições do nosso povo mais simples. A sua poesia, com letras que exprimem a ingenuidade e a pureza do caboclo, cativou e ainda cativa a sensibilidade do povo montes-clarense, aqui no sertão mineiro como também em alhures. É assim porque o poeta usou e abusou de toda a sonoridade que o sotaque matuto lhe proporcionava. Ele soube colocar em versos simples onde era o lugar dos versos simples. Ele soube colocar em rimas poéticas onde era o lugar das rimas poéticas. Ele tinha o faro da rima harmônica e a mania da musicalidade rematada. Sabia ouvir como ninguém o rumor da terra e a angústia de sua gente. As suas palavras em seus escritos são espontâneas e repletas de sinceridades. Não é por acaso que em quase todos os seus poemas há no intróito uma pequena explicação a respeito do fato acontecido.
Quanto à poesia, os poetas escrevem-nas porque elas servem de alimento para a sua própria alma e foi desta forma que surgiram os clássicos sonetos de Cândido Canela. São poemas acomodados num montículo de papel que vem formar o livro “Rio dos Buracos”, ainda inédito. Realmente, o nosso poeta conhecia a versificação, indo da redondilha maior ao soneto clássico criado no século XIII, na Sicília, e cultuado por Dante, Camões e Shakespeare. Oxalá que o “Rio dos Buracos” venha a ser editado com a brevidade que o tempo lhe recomenda.
Portanto, as suas valorosas obras “Rebenta Boi”, “Lírica e humor do sertão” e “Rio dos Buracos” tiveram o justo reconhecimento da egrégia Câmara Municipal de Montes Claros, conforme Oficio/ATL/164/2001, de 24 de abril de 2001, que por unanimidade dos votos dos ilustres vereadores, foi instituído em sua homenagem a Placa de Prata Cândido Canela, a ser concedida sob Mérito Cultural aos intelectuais da escrita em todos os segmentos literários.
Para dizer sobre Cândido Canela, ninguém melhor do que o seu eminente filho, o acadêmico Reivaldo Canela. Portanto, ele nos disse que o seu pai era um homem “bem humorado, inteligente e culto, que se dedicou à literatura em todas as suas mais variadas conotações, sem, entretanto, jamais deixar de cantar as virtudes da Natureza ou de condenar e lamentar as injustiças aos menos favorecidos, isso em versos lírico-sertanejos”. Recolhendo-se à vida privada, Cândido Canela veio a falecer a sete de março de 1993, chorado pelos montes-clarenses, os que lhe admiravam as excelências do seu coração.
Ah, quantas emoções sentimos agora quando ouvimos em algum lugar pessoas declamando os belíssimos poemas do nosso Cândido Canela! “Morena bela, iscuta estes meus versos/ ouve, cabocla, esta triste canção/ qu’eu iscrivi com a pena da sordade/ e com a tinta roxa da paixão...”. Era assim o nosso poeta maior.

EMOÇÕES - Wanderlino Arruda


DÁRIO TEIXEIRA COTRIM

Sendo o livro “Emoções: Poemas”, do nosso confrade Wanderlino Arruda, de leitura aconselhada não só para os amantes da boa poesia como também para aqueles que queiram iniciar na arte de escrever poemas, é que o indicamos aos nossos leitores e amigos a degustar os escritos desta obra para uma reflexão do benfazejo. Neste livro, os versos têm o sentido do belo em todas as palavras ali encerradas. Coisa rara na literatura moderna. É assim porque, os livros de poesias onde o belo habita por inteiro são raríssimos.
Pois bem, os livros de Wanderlino são assim!
A poesia torna-se essencial, despojada e extremamente conceituada quando cultuada. Ela é a eterna escrita de um tempo necessário. Aliás, do tempo das incontidas emoções. Por isso, querer agora ajoujá-la às regras gramaticais, eliminando-a de sua espontânea criação é o mesmo que desservir o belo. Um exemplo disso é que eu não vejo no livro “Emoções: poemas” a influência viva da tanatologia, até porque a poesia nunca morre, exceto para aqueles que vivem, a todo o momento, ornejando-a com bobagens ao invés de cultivá-la com o doce prazer das incontidas emoções nela contidas.
Plagiaremos um pouco o escritor Euclides da Cunha para podermos afirmar que o poeta sertanejo é antes de tudo um forte revelador do sentimento mais íntimo das pessoas que se amam verdadeiramente. Que o poeta é também um autêntico arauto das emoções, as que geralmente passam despercebidas por entre as sombras da insensibilidade humana. Que Wanderlino é, acima de tudo, poeta!
Há no livro de Wanderlino uma musicalidade ímpar, uma espécie de protofonia versificada para os sentidos emocionais de seus leitores, o que diferencia os seus trabalhos literários de tantos outros. Além disso, os seus poemas têm um “certo” sabor de nostalgia em “buscar ver o que não alcança a vista”, além do valor autobiográfico com o se vê no poema “que dá alegria ao artista,/ mais do que as cores,/ mais do que o ritmo,/ é a sensação de criar./ Pintar belezas da vida:/ ofício do pintor é pintar”. Portanto podemos afirmar com total segurança que a escrita de Wanderlino é um ato sublime da criação poética. Foi esse o seu nababesco material das emoções.
Por essa razão, numa análise mais crítica sobre a influente obra “Emoções: poemas”, a escritora Maria Luíza Silveira Teles manifestou-se da seguinte forma: “sua poesia é plena de sensualidade e espiritualidade: é a carne que palpita e a alma que voa e se ajoelha diante do Criador”.
O livro do notabilíssimo poeta Wanderlino Arruda contém uma série de poemas onde encontramos a figura da doce inocência, desde “ter quinze anos em flor (...) no tempo ideal de viver” e a da razão amorosa o que pode dar-se a ler, porque não incomoda os homens pacatos e nem estonteia as recatadas mulheres românticas ou contemplativas. De há muito se fazia sentir a necessidade de publicar os escritos de Wanderlino, que constituirão a revelação de novas facetas da originalidade, do talento e da bela-arte do autor em escrever poemas de amor. Se a língua limita o poema a linguagem o amplia, disse Cassiano Ricardo,um outro poeta das emoções.
A escola literária é a institucionalização da forma escrita de comunicação, além de ser o espaço em que circulam e divulgam os valores da visão do mundo poético. É exatamente por isso que os montes-clarenses chamam-no de mestre. Um homem-mestre que cultiva o bom humor em seus discursos; um artista-mestre que pinta exuberâncias e exalta as cores do invisível; um poeta-mestre gerador das emoções no burilar das palavras. Em vista disso não poderia deixar passar em brancas nuvens toda a sua história de vida. Além do mais, também foi jornalista, e dos bons. Os seus artigos, sempre com tons hilários e riquíssimos de informações, saíam nas páginas de O Rotário, hebdomadário que ele criou para divulgar o Rotary Club de Montes Claros.
Só existe um meio de não morrer de tédio: é ler livros de poesias.